CAPÍTULO 21 - O HOMEM QUE USURPOU A NAÇÃO

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Agora ela estava boquiaberta. Aquilo era muito mais do que a fala do farsante ganancioso que ela sempre esperara que Sarto fosse. Não era. Sarto parecia convicto das ideias que transmitia, e Kristina começou a acreditar de verdade que ele tinha se preparado para aquilo. Não, óbvio que não se preparou, pensou ela. Já virou presidente estando preparado. Talvez Sarto só tivesse virado um ditador por estar tão preparado para esclarecer a várias pessoas seus planos para Kailan e convencê-las a concordarem. Era esse o jogo dele no momento? Convencer sua assassina a se juntar à causa? Ou ele só queria a enrolar enquanto os reforços não chegavam? Fosse o que fosse, Kristina não pretendia ficar ali por muito tempo. Porém, como persuadir aquele homem em poucas palavras? Se é que poderia persuadi-lo de qualquer jeito. Mas precisava tentar.

Apenas se falhasse é que precisaria matá-lo.

— Não. Não existe paz em Kailan. Eu fui torturada, eu vi pessoas morrerem, eu ajudei pessoas a matarem. A gente ainda tá em guerra, só que, agora, é por baixo dos panos.

— Não existe revolução sem guerra. Não existe paz sem guerra. Quem não escolheu a paz vai tentar vencer quem escolheu, e é por isso que você e seus colegas estão matando meus soldados. Mas, desse jeito, vocês se tornam obstáculos pra paz e pra felicidade, e eu preciso contornar meus obstáculos. Eu sinto muito que você tenha precisado ser torturada, mas agora você entende a necessidade disso? Eu não posso deixar você me atrapalhar. E, enquanto você estiver contra mim, você vai me atrapalhar.

Kristina se movia de um lado para o outro, apenas pequenos passos, sem sair muito do lugar e sempre com os olhos pregados em seu interlocutor, que por sua vez avançou mais um passo, com as mãos na cintura. A eloquência do Marechal a impressionava. Magro, vestindo regata e calça de dormir, mas mesmo assim tão altivo! Enquanto isso, a cada espaço que ele dava para Kristina falar, a facilidade inicial se desvanecia e ela começava a agonizar intimamente. A mesma agonia de um mau desenhista que tenta em vão reproduzir no papel uma imagem bela.

— É possível, sim, fazer uma revolução sem violência — disse a garota, enfim. — Na verdade, esse é o único jeito de fazer a sua revolução durar. Porque enquanto a sua guerra é velada, ela pode até funcionar, mas e quando a população descobrir que o seu governo mata, tortura, espiona todo mundo? O senhor acha que as pessoas ainda vão te apoiar? Nada que se levanta de uma mentira consegue ficar em pé por muito tempo. A verdade, Marechal, é que o destino do seu governo, se continuar assim, é desabar. E se ele desabar, além do senhor não conseguir alcançar seus objetivos, ainda vai ser visto como o vilão da história. Então por isso é que eu acho que o senhor precisa renunciar: porque a população ainda tá do seu lado, então se o senhor sair e acabar com a ditadura, um novo presidente vai entrar, pelos votos do povo, e vai continuar lutando pra construir o mesmo mundo que o senhor quer construir, só que por métodos mais justos, e o mal que o senhor tá fazendo vai continuar silenciado. O senhor vai continuar sendo um herói. Ou melhor, vai se tornar de verdade um herói. Essa renovação é que vai manter sua luta em pé e que vai fazer, inclusive, a luta continuar sendo reconhecida como sua. Mas se o senhor continuar com a ditadura, então daqui a algumas semanas, meses ou anos, toda a verdade vai aparecer, todo o povo vai reagir e o senhor vai acabar sendo deposto à força ou sendo morto, e seu plano pacifista vai pro ralo, e tudo que vai acontecer é só mais e mais e mais guerra nesse ciclo interminável de violência que é a história do nosso país!

No pátio, visível pela janela, um grupo grande de soldados corria para entrar no prédio. Kristina pensou em Franke: ele conseguiria se safar caso muitos soldados entrassem ao mesmo tempo? E Adriana e Tone, será que ainda resistiam na entrada da Sala de Operações? Se não estivessem, então Briel não tinha mais o controle da Rede Nacional? E Marko, a alguns metros dela, ainda estaria vivo?

AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PEITODonde viven las historias. Descúbrelo ahora