CAPÍTULO 18 - O PRIMO

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Ele chegou depois de cinco minutos, trazendo o capacete debaixo do braço e uma expressão fechada. A Capitã falou com ele em voz baixa, depois saiu com os recrutas. Kristina tentou falar sem mostrar os dentes, que provavelmente estavam vermelhos de sangue:

— Keiton. Achei que você não vinha.

— Cala a boca! — disse ele. Kristina arregalou os olhos. — Você podia ter evitado tudo isso.

— Você é que podia. Você é que me trouxe. E eu ainda não tô acreditando que você foi capaz disso.

— Não se faz de burra. Tinha gente armada no albergue. Você tava com eles, não tava? Eu sei que tava. Você mesma apontou uma arma pra mim... — Ele torceu a boca, uma aflição evidente. — Quando eu subi, acionei os dois colegas que tavam comigo. A gente pegou os capacetes, desligou a energia e entrou nos quartos ocupados. Eram poucos. Meus colegas entraram no quarto do lado do seu e quando eu ouvi os tiros, soube que tinha gente perigosa lá. Eu não sabia quantos eram, mas escutei pelo capacete as vozes dos meus colegas morrendo e me mandando recuar. Eles mataram meus colegas, Kristina. Podiam ter me matado também... Por que você se meteu nisso?

"Morte" trazia à tona Elinor. Kristina quase sentiu de novo aquelas unhas ficadas em seu braço antes de se soltarem para sempre. Mas agora o que apertava os braços da garota eram correntes de metal.

— Por que é que você me meteu aqui pra ser torturada?

— Você pediu por isso! O que resta agora é você fazer isso acabar.

Ela balançou a cabeça em negativo. Todos os traços do rosto de Keiton se comprimiram.

— Vai se foder, Kristina! Fala logo o que a gente quer! Se não falar, vai ser pior.

— Não é assim que eu quero falar com você. Eu quero aquele menino de onze anos que implicava comigo. O menino de quinze anos que me chamava pra jogar videogame. O cara de dezoito anos que me disse que ia entrar no exército pra ninguém mais morrer que nem sua mãe. Mas o que é que acontece com as pessoas na câmara de tortura?

— Isso não vai funcionar. Eu não sou mais criança. Eu sei quem tá certo e quem tá errado entre nós dois.

— Keiton...

— Pra você, é Sargento.

As mãos de Keiton estavam em punho. Kristina deu uma pausa para respirar e sentir a dor em seus músculos e a ardência das queimaduras de cigarro. Engoliu tudo aquilo e falou:

— Quer saber de uma coisa, Sargento? Quer saber o que eu acho?

— Eu tô pouco me fodendo pro que você acha. Ou você me dá logo as informações, ou eu vou embora e vai ser muito pior pra você.

— Elinor — disse ela. Keiton a fitou com atenção. — Elinor. É a garota que você matou. Desarmada e sem evidência de que ela tava cometendo um crime. E eu não sei se pela visão noturna era difícil enxergar o medo dela, ou se isso foi só outra coisa que você ignorou.

— Eu te odeio.

Aquela falta de argumentos incitava a fagulha de esperança em Kristina.

— Tirar vidas desse jeito e ainda chamar isso de paz pode dar certo pro governo. Mas e você, Sargento? Como é que você se sente com isso? E como você se sente me vendo aqui, presa e torturada?

— Não tem nada a ver com sentimentos nem motivos pessoais — disse ele, o rosto sério, mas uma lágrima no olho. — Assim como não tinha a ver com sentimento quando seus colegas mataram meus colegas.

AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PEITOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora