CAPÍTULO 2 - Velhos e novos encontros.

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Encostei meus dedos na placa de metal ao mesmo tempo em que esticava a mão esquerda até a outra extremidade da porta. Já tinha destreza em fazer aquilo depois de três meses e precisava lançar os feitiços corretos se queria que ninguém soubesse da minha presença, então me equilibrei em uma perna e me estiquei o máximo que conseguia.

Anoíxei.

Um clique e a porta se abriu silenciosa. Eu suspirei. Dentro, havia uma série de máquinas complexas fazendo sons e apitos. No centro, uma redoma de vidro e metal, na maioria Lifran. Dentro dela, um corpo deitado inerte. O peito subia e descia muito lento e, se você não prestasse atenção, poderia achar que ele estava morto.

Graças ao Construtor ele não estava, não ainda pelo menos. A pele parecia uma crosta de madeira esverdeada, cheia de manchas em tons mais fortes. Mais magro do que seria considerável possível, era uma pintura horrível. Sentei-me ao lado do recipiente.

Além das visitas semanais com Celen, todos os dias eu ia de madrugada para ver o seu estado. Mas isso era segredo nosso, eu não gostava que ninguém interferisse nas nossas conversas. Primeiro, porque não queria que achassem que eu era sentimental, desde a primeira lua eu tentava criar uma imagem mais forte de mim, isso ajudaria com os problemas políticos que tínhamos.

Segundo, porque diziam que ele não ouvia nada, que seu cérebro não respondia a qualquer tipo de estímulo, era um estado totalmente vegetativo.

Ainda assim eu ia, para o caso dos médicos estarem errados.

Abri a bolsa e tirei o grosso livro de Syfar. Eram nossas últimas descobertas sobre a profecia. Eu sempre lia para Evan todos os pedaços que eu conseguia decifrar, embora a maioria não fizesse o mínimo sentido.

— Bom, cabeção, hoje li mais um pedaço sem sentido nenhum. Se você estiver virando os olhos mentalmente, aviso: pode parar! Eu sei que pensa que se estivesse aqui tudo estaria resolvido. Pode até ser verdade, mas isso não é minha culpa, os metais é que insistem em funcionar só com nós dois juntos.

Olhei para ele, nenhuma mudança, como sempre.

— A escuridão dos olhos não pode alcançar a alma. Mas a alma imersa em escuridão nunca enxergará.

Um calafrio passou pela minha coluna. Cerrei os olhos para o DIM. A profecia era uma série de frases desconexas, talvez fossem só ensinamentos que fizessem sentido na época que foram escritos. Naquele dia, no entanto, não estavam me ajudando para nada.

Passei mais uns minutos contando sobre o treinamento do dia. Da vigésima vez que tinha destruído a estátua de Celen e como ela já estava ficando meio torta de tantas vezes que precisou ser remendada.

Depois fiquei em silêncio por um momento. Coloquei as mãos sobre a redoma e recitei o feitiço. Não sabia por que eu continuava fazendo aquilo. Um mês antes, tinha sonhado com o feitiço, demorei uns dias para tomar coragem de usá-lo. Tinha medo de piorar a situação. Nada aconteceu, nunca, nem para bem, nem para mal.

Naquele dia não foi diferente. Suspirei. Tentava não criar expectativa, mas esperava ver o guardião levantar do meio daquelas cascas.

Eu precisava da ajuda dele, embora não gostasse de admitir. Não para os feitiços, eu já estava dominando tão bem o treinamento que todos estavam abismados. Nem para a profecia, confusa ou não, eu tinha ao meu favor a melhor equipe de arqueólogos e filósofos de todo o planeta. Nem mesmo para o condicionamento físico, já que Thela parecia ter tomado como tarefa de vida me levar ao limite do impossível.

Eu nem precisava dele, na verdade, para nada que eu fazia. Ainda assim, ele precisava voltar logo. Cada dia eu sabia que algo errado acontecia comigo, por dentro. Ele, mesmo rusguento como era, saberia dizer o que era.

Alys - Elemento Alpha [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora