— Acha que eu deveria ser menos previsível? Quer dizer, todo mundo sabe o que eu vou fazer sempre. — pergunto fazendo o mesmo rir.

— Sabe o que eu acho, Ashlee? Que deveríamos sair uma hora dessas. — ele diz e agora é a minha vez de rir.

— Eu não te desejo esse mal, Robert, eu sou horrível. 

Antes que ele possa responder entregaram para ele o meu copo com latte, fazendo com o que mesmo coloque a tampa e escreva meu nome no protetor de mão em letra cursiva e com um coração exagerado do lado. Agradeço baixo, deixando o dinheiro no balcão e me virando para procurar um lugar pra sentar, quando sinto algo quente cair sobre meu pescoço descendo ao meu busco. É, alguém tinha esbarrado em mim e derrubado chá quente em minha roupa.

— Que merda! — digo irritada levantando um pouco a minha blusa para tentar limpar minha pele com a mesma que também estava encharcada. — Você não olha por onde anda não? Por acaso é cego?

— Sinto em lhe informar que sim. Eu sinto muito senhora. — o mesmo diz com um tom de voz assustado e eu solto uma risada abafada.

Encaro o mesmo por um segundo após o que ele diz e noto que o mesmo usa óculos escuros. Desço um pouco meu olhar e vejo que ele segura um bastão em sua destra, daqueles que cegos usam para conseguir "ver" para onde está indo... Droga, ele é realmente cego.

— Não tá tudo bem, não foi nada demais, eu que peço desculpas. — falo meio sem jeito, já ignorando completamente minha roupa molhada pois esse não é o maior dos problemas.

— Não é você quem tem que pedir desculpas sou eu, será que tem alguma forma de eu te recompensar? — ele pergunta e eu torço o lábio.

— Qual é o seu nome?

— Kile. — ele ajeita o óculos no rosto. — E o seu?

— É Ashlee, um prazer te conhecer. — sorriu de canto. — Sabe Kile, seria um prazer se me acompanhasse enquanto eu bebo meu latte.

— Seria um prazer. — ele diz e sorriu.

Saiu um pouco na frente sem certeza se o mesmo vai me seguir, por isso pauso um minuto olhando pra trás para ver se ele me acompanha, e sim, acompanha. Não sei direto como funciona essa coisa de cegueira, sinceramente nunca tive que pensar nisso até conhecer um de verdade, parece loucura imaginar que ele segui suas direções e sentidos atrás do tato, só faz com que eu me surpreenda ainda mais com o que o ser humano é capaz.

— É aqui. — digo parando de andar e me sentando, Kile faz o mesmo e se senta na cadeira em minha frente, apoiando seu bastão no encosto. — Eu sempre me sento aqui.

— Noto que vem muito a essa cafeteria então. — ele diz.

— Todos os dias, nesse mesmo horário depois da aula. — digo simplesmente como se  citar minha rotina para um desconhecido parecesse normal.

— Então já sei onde te encontrar. — ele sorri e eu murmuro uma confirmação. — Com o que você trabalha, Ashlee?

— Sou professora. — dou uma pausa para beber um gole do meu latte antes que ele esfrie e então continuo: — Na escola no fim da rua, eles são da terceira série, uns pestinhas. E você?

— Eu tenho uma irmã da mesma idade então sei o que quer diz. — ele diz em tom de brincadeira fazendo nos dois rirmos. — Eu sou pintor.

— Pintor? — digo tentando não parecer impressionada, mas tenho certeza que o tom em minha voz deixou isso explícito. — Desculpa, quer dizer hm... Uau isso é incrível!

— Tudo bem, todo mundo fica assustado quando digo isso, eles pensam "como um cego consegui pintar?" mas não esquenta até que sua reação foi a mesmo exagerada que já presenciei. — ele respondi fazendo eu me sentir péssima e envergonhada. — Não sou um pintor profissional mas eu vendo alguns dos meus quadros.

— Devem ser lindos. — sorriu de canto.

— Espero que sim. — ele diz bem humorado. — Sabe as pessoas acham que precisamos enxergar para ver e entender as coisas, mas isso não é verdade, graças a Deus que não porque eu estaria perdido. — ela ri e eu apenas observo sorrindo. — Eu pinto aquilo que sinto, meus sentimentos fazem eu enxergar as coisas talvez não da forma certa, mas da minha forma.

— Eu adoraria ver algum dos seus quadros um dia. — digo me encostando no apoio do assento e dando mais um gole no meu latte. — É sério o seu discurso me deixou curiosa.

— Curiosa? Poxa, era pra te fazer chorar. — ele solta mais uma das suas piadinhas e dessa vez eu tombo a cabeça pra trás soltando um riso escandaloso.

— Vai ter que tentar mais na próxima, Kile. — ajeito meu casaco que escorrega do meu ombro.

— Então quer dizer que vai haver uma próxima?

— É claro. — digo afastando a proximidade da cadeira com a mesa com a ajuda do corpo. — Na próxima você vai me levar para ver seus quadros e eu não preciso que me convide.

— Você mesma já fez isso né? — ele pergunto e eu assinto, logo depois me sentindo estranha porque acho que ele não vai me ver assentir. — Tudo bem, feito Ashlee

— Então... — me levanto segurando meu copo com a destra. — Até a próxima, Kile.

— Até a próxima! 

saturnWhere stories live. Discover now