A música “A Drop In The Ocean” ecoava na rádio, preenchendo o silêncio existente no velho jipe, enquanto Ash me conduzia à escola, como fazia todos os dias desde que tirara a carta de condução. Ash é o meu irmão mais velho e sempre tivemos uma relação muito próxima, mas não podemos negar que as coisas estão um pouco diferentes desde o divórcio dos nossos pais, à cerca de dois meses atrás. Nenhum de nós sabia realmente o que dizer, por isso optamos pelo silêncio, hoje e o resto dos dias. Ultimamente as nossas conversas não passavam de banalidades, tudo para evitar o assunto que se tinha tornado tabu entre nós.
O mais próximo do assunto que alguma vez estivemos, foi quando recebemos a notícia do tribunal que a minha guarda iria ser partilhada pelos nossos pais. Ash, já sendo maior de idade, pôde tomar a sua própria decisão. E essa fora, nunca mais olhar para a cara de nosso pai. Logo, não foi de estranhar quando nessa noite em que nos foi dito que o nosso pai também teria direito à minha guarda, que Ash tenha perdido a cabeça. De entre muitas coisas que ele gritou (e foram muitas), disse-me que eu estava proibida de por um pé naquela casa, mas ambos sabíamos que não havia nada que ele pudesse fazer para impedir que tal acontecesse.
Limitei-me a olhar pela janela. Já conseguia ver a secundária ao fundo da rua e os alunos a caminharem pelos passeios de alcatrão em direção a mais um dia de aulas. Peguei numa alça da minha mochila puxando-a para mim, tirei o meu iPhone e desapertei o sinto enquanto Ash encostava o jipe à berma da estrada, junto ao parque de estacionamento da escola.
- Vais ao jogo, logo? – perguntou ele, olhado para mim por cima dos óculos escuros que trazia postos. Pensei no que a Heather, a minha melhor amiga, falara no dia anterior sobre aproveitar a experiencia do secundário ao máximo e como definitivamente não podíamos perder o jogo desta sexta, visto que é em casa e que a equipa está a fazer a melhor época dos últimos anos. Não dou muito valor a desporto, muito menos a passar uma hora e meia da minha sexta á noite rodeada pelos alunos e respetivos familiares, que parecem estar constantemente a ladrar para um grupo de gajos, que se consideram num estatuto superior a todo o resto da comunidade escolar por andarem todas as semanas a correr atrás de uma bola. Mas acabei por ceder à persistência de Heather e concordar em ir… mais uma vez!
- Acho que sim, foi o que combinei com a Heather. – disse enquanto punha a minha mochila ao ombro preparando-me para abrir a porta.
- Então queres que te dê boleia depois das aulas… – olhei para ele indignada. Apesar de não lhe conseguir ver os olhos sabia bem o que eles diziam: Porque se fores para o pai bem podes esperar sentada que te leve. No entanto a sua expressão facial era calma, até mesmo carinhosa, mas eu sabia bem que era isso que ele estava a pensar.
Abri a porta do jipe e saltei para o pavimento. Respondi apressadamente um – Não te incomodes! – e fechei a porta num movimento rápido e firme, dando um impacto um pouco mais brusco do que pretendia. Ouvi o vidro da janela do lado do passageiro deslizar lentamente, mas ignorei e continuei andar olhando para o meu telemóvel para dar a entender que não me estava sequer a importar, mas eu estava!
- Porta-te bem! – ouvi a voz do Ash aconselhar-me, enquanto rodava a chave e ligava o veículo de volta à vida. Parei. Levantei ligeiramente a cabeça olhando para trás, para ele que já tinha o carro em movimento e dei um meio sorriso. Quase parecia o Ash de sempre, que me dizia estas palavras todos as manhãs, sorrindo enquanto me beijava ao de leve a cabeça. A diferença é que eu saíra e batera a porta sem dar a oportunidade de ele me beijar, e no lugar de um sorriso apenas via melancolia no seu rosto.
O jipe já estava ao fundo do parque de estacionamento ocupando um dos últimos lugares vagos, mas ainda assim, sabendo que ele não me conseguiria ouvir, respondi num sussurro. – Não me porto sempre?!
