Capítulo 4: O Redentor

9 0 0
                                    


          Já sentiu como se algo o devorasse por dentro... Não, clássico demais. Destes vazão à sua mais feroz besta, embora que por mais solta estivesse, o meio social próprio a enjaulasse? É o sentimento de uma mãe que não podendo expulsar seu feto, visto que esse se encontra lacrado pela própria saída morresse aos poucos e esta com a própria mão abrisse seu ventre e rasgando-o de uma extremidade a outra, danificando seu templo sagrado, sacrifica seu véu de mortalidade para que uma vida respire. Uma vida que nem mesmo possui em suas veias tamanho peso histórico, como o do ser que pré-existe e lhe concebeu. Há sinais que escolhemos ignorar para mantermos internamente uma realidade que se sobrepõe à verdade. Eles são suprimidos a tal ponto que quando a realidade choca em si mesma, essa estilhaça o tempo-espaço. As fluentes vertentes da nascente do consciente jorram em mim seus olhares para que eu os possa barrar. Possuo vários nomes, o mais comum: Racionalidade.

Sobreponho-me a aqueles emocionais e suprimo todos seus resquícios. Ao se apresentarem em meu templo, muitos vêm desprovidos de qualquer roupa, outros maltrapilhos e raramente possuem vestes polidas. Concedo-lhes vestes novas, brancas de seda e prometo cuidar-lhes de todas as feridas. Entretanto, sob uma condição: terão que deixar de existir. A maioria, aceita e cumpre com o acordo. Há também raras exceções de tentativas de fuga, esses mais sorrateiros, nunca conseguem fugir. Pois, não sabem com quem estão lidando e acabam caindo e suas próprias armadilhas. Apenas três. A Trindade. Tão antigos quanto a mim, próprios de meus filhos: Pân, Louck e Mello. Alguns os chamam de Pânico, Loucura e Melancolia, a Trindade da Condição Humana. Embora eu os receba frequentemente, nunca os deixo entrar. Pois sei que se macularem o sacrossanto da consciência, estaremos todos perdidos. De alguma forma, todos eles sondam. Percebo seus olhos cor de rubi olhando no interior negro, vazio e escuro em que habito. Não procurando respostas, mas procurando poder, controle e também saciedade. Suas volatilidades são incontroláveis e seus desejos insaciáveis, por isso eles vêm a mim. Buscam sabedoria, dividem-se e me dão controle total sobre sua existência, embora nunca aceitem o acordo. Eu ofereço redenção para suas miseráveis existências. Mas tudo que recebem são esmolas jogadas ao poço do esquecimento de suas vãs filosofias que uma vez foram usadas para algum propósito.

Não gosto de me gabar, embora o ego seja talvez minha maior fraqueza. Mas sei como lidar com as diferentes versões de uma mente despedaçada e que dança com os cacos remanescentes de uma guerra de um palco mui distante de uma realidade intangível aos olhos nus. Há muito tempo, fui eu um dos co-fundadores de uma nova ordem, embora não prevíamos o caos que isso geraria, vencemos tal conflito e instalamos nosso governo sob nosso povo. Mas sofremos um golpe e nosso plano foi subvertido para algo que não era para acontecer. Por isso me isolei nessa ilha e ergui meu templo para receber as várias versões monstruosas de persona que concebi indiretamente e que lutam pelo reinado externo. Basicamente, fui reduzido a uma forma de governo paralelo a elas, talvez um papa, um guru, um cacique ou algum líder religioso que estas seguem fielmente e pedem conselhos para suas almas perdidas. Cada persona possui uma visão idealista de seu eu externo e cada vez mais tensões são geradas em busca da coroa e do trono eterno. A profecia uma vez foi proferida. Uma vez ecoou eternamente em nossos salões e suas palavras cravadas em meu altar.


                                                                                O Redentor

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

                                                                                O Redentor

A arte de um loboWhere stories live. Discover now