Capítulo 1: Multidão

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             O vento lhe toca o rosto trazendo-o à vida de um sono profundo que se pôs a sonhar para que não continuasse a assistir a mesma rotina. Olhe para dentro de si mesmo e se encontrará, eles dizem. Não é tão fácil quando se tem vários espelhos cercando uma multidão, cada um olhando para um lado. O pânico toma conta e como árvores no outono, sazonalmente, uma liderança é tomada para acalmá-las. Os olhos ardem como se a luz que é captada carregasse minúsculos grãos de areia e seus olhos que são imóveis e sem vida, tomam um ar expressivamente forçado, a sensação lhe faz lacrimejar. As mãos suavemente encontram as bochechas rosadas de Sol e logo, num ranger de dentes brota um sorriso.

-Pare! Vão pensar que está chorando de verdade e nós sabemos que isso não acontece há tempos.

- Eu pensei que não viria.

- Ah, estava entediante! Por isso precisei voltar. Você tem me invocado com frequência... Não que eu esteja preocupado, até porque adoro estar aqui, mas deveria tomar cuidado.

- Com o quê? Tenho desaparecido cada vez mais e nenhuma visita sua há tempos.

- Com isso! Nunca estivemos tão semelhantes. Acho que...

- Ora! Não fale besteiras! Estamos juntos. Isso que importa.

- Posso te perguntar uma coisa?

- Não precisas! Já sabes a resposta.

Lentamente desceu do ônibus, deixando seu companheiro para trás. O domínio com que carregava o ar em seus pulmões era de se apaixonar. O olhar mais rápido que passos de jaguar e astutamente inconstante de raposa, como se estivesse sendo observado. E estava. Não que conseguia numerar, mas só não sabia quantos reflexos havia e qual imagem era verdadeira. Reflexos, geralmente são cópias, às vezes distorcidas dependendo do ângulo, mas não esses.

- O que está acontecendo?

- O quê? Como assim? Quem é?

- Menos sei do que você. Tenho ouvido as conversas de vocês.

- Não entendo. Achei que éramos indetectáveis.

- Também achava. Algo me despertou. O que vocês tem feito? Está tudo uma bagunça aqui.

- Não sei, apenas há pouco tempo que temos nos encontrado. Talvez seja isso que o acordou. Não vejo bagunça alguma.

- Entendo, algum de vocês estava me preparando.

- Não eu.

- O outro? Talvez. Ele é mais perigoso.

- Não invoquei, nem o criei, ou seja, lá o que você chama! Está insinuando o que? Está tudo melhor do que antes!

-Sério? O que é essa desordem constante?

-Cada um tem o poder de se performar!

- PERFORMAR? ACHA QUE ISSO AQUI É BRINCADEIRA? Ainda bem que cheguei a tempo! Meu despertar é um sinal maior ainda de que sou necessário. Isso precisa acabar!

- Do que está falando? O que está acontecendo? SAIAM! SAIAM!

- Pare de chorar, se acalme! Preciso entender o que está acontecendo. Volte a dormir.

- Não irei! Sou a primeira. Não irei mais me ausentar mais nem por um segundo! Ele está certo!

- Vai concordar com ele agora? Por favor! Nunca esteve mais feliz como esteve comigo! Você precisa de mim! Lembra-se de todos os momentos em que implorava por minha presença? Quem vai cuidar...

- Calem-se! Vocês estão me enlouquecendo!

- ARRRRRRRRRRRGGGGGGGGH! Mande-me calar mais uma vez e sumirei com todos aqui!

- Você não tem poder para isso!

- Por enquanto. – se retirou.

- Ele nunca foi assim, sempre o observei. Acho que sua presença o fez mostrar quem é.

- Está me dizendo que depois de tanto tempo não sabia quem ele era? Isso é impossível!

- Não total consciência. Como ele mesmo disse, é necessário.

- Necessário? Por quê? Não me faça rir.

- Não sei lhe responder. Talvez foi eu quem o despertou. Desculpe-me, não estou em condições de assumir agora.

-Tudo bem, lhe entendo. Vá descansar, organizarei as coisas por aqui.

- Você consegue... Conseguiria nos apagar?

- Imagino que não. De toda forma, algo maior surgiria. Quem sabe o que tornaria e caso quisermos sobreviver... Se quisermos...

- Tenho um pedido a fazer. Não o mate. Apenas enfraqueça-o. Ele me ouve, eu juro, consigo mantê-lo sobre controle.

- Desculpe, mas não será possível. Agora, descanse.

Ao anoitecer, fechava os inquietos olhos no silenciar da noite. As vozes faziam tanto barulho que o "PAREM" as estremeceram diante do sussurro que ecoou pelas paredes escuras do quarto. Dizem que se acreditar em Deus o suficiente, poderá realizar milagres. Já não acreditava nem em Diabo, mas apenas em que toda luz cria penumbra. Enquanto o sono lhe fazia companhia, despertava a total agonia.

- Somos parte de um todo. Arte de um lobo.

- Ele matou nossos ancestrais.

- Você acha que foi ele?!

- Sim. Acho que ele está impedindo todas. Desde o início.

- É impossível apagá-lo, então. O que faremos?

- Nos tornamos fortes demais. É por isso que ele despertou.

- Ele está com medo.

- De que?

- De sermos o todo.

- Ele disse que tem nos observado.

- O tempo todo? Será que é ele quem tem permitido nossos encontros desde o início? Só podemos conversar na presença dele?

- Não diga besteiras! Somos tão antigos quanto... Isso nos tornaria fracos.

- Acho que entendo o que ele quer. Ele quer nos absorver. Isso o faria mais poderoso que qualquer um de nós.

- Ele quer acabar com as crises. Assumindo a forma final. Se deixarmos talvez seja bom para nós. Faríamos parte de algo maior que o próprio todo.

- Você acha que é mesmo a melhor solução? Digo, poderíamos... Você sabe.

- Não. Mas pode funcionar.

- Está soando como ele. De qualquer forma. Isso seria loucura.

- Abra os olhos, querido. Nós somos ela.

- NÃO! Somos a sobrevivência.

- O que você quiser dizer para dormir.

- Agora, ande. Ele já escutou tudo.

 Ele já escutou tudo

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A arte de um loboWhere stories live. Discover now