Ele vira o rosto para a lareira, comtemplativo. Observo seu perfil banhado pela luz laranja, o espectro do fogo falso lambendo as bochechas fundas.

― Era só uma peça de escola ― diz depois de um tempo. ― Está imaginando coisas.

― Não. Eu não estou. A Sra. DoLittle uma vez me disse que haviam várias garotas atrás do senhor na escola...

― Conversa ― interrompe.

― Mas que só tinha olhos para ela, a garota dos olhos de safira. Os olhos da senhora Beene são azuis, não são, como safiras?

― São? Não faço ideia. ― Virando-se para mim, prossegue: ― E ainda que sejam, garanto que ela não era a única garota de olhos azuis naquela escola.

― Então existiu mesmo uma garota com olhos de safira?

― Ora, Rigel, faça-me o favor. Desde quando acredita nos impropérios da sra. DoLittle? Pensei que fosse mais esperto. Seja sensato, garoto, a mulher tem quase cem anos, com certeza, imaginou toda essa história. Ou foi isso ou está senil. A propósito ― Seu olhar corre para o relógio na parede ―, não devia estar na cama? São quase dez, precisa descansar, é importante pra sua recuperação.

Que recuperação? O médico garantiu que, desconsiderando as crises de pânico, eu estou ótimo. Sei o que ele está tentando fazer, desviar o foco da conversa e fugir pela tangente. Advinha? Não vai funcionar. Não desta vez.

― Eu estou bem. Ótimo na verdade. Arrisco dizer que nunca em toda a minha vida me senti melhor.

― Tem certeza? ― Ele coça o queixo, atento ao meu rosto. ― Seus olhos estão fundos e reclamou de dor no braço mais cedo. Sem contar que mal tocou no jantar, e você adora frutos do mar.

― Sim, eu tenho certeza. E vou ficar ainda melhor se parar de enrolar e me falar a verdade.

― Rigel, veja como fala, eu sou seu pai, não o idiota do Marshall.

Suspirando, levo as mãos aos cabelos. Os fios se dobram em cascatas sobre a minha testa, e isso me recorda de que preciso apará-los tão logo seja possível. Odeio quando eles crescem e ficam caindo sobre as sobrancelhas e irritando meus olhos, sem mencionar que me confere uma puta aparência infantil que, sinceramente, é meio patética.

― Sei disso ― afirmo, evitando olhar diretamente para ele. ― Eu só não entendo. Se quer que eu mantenha distância da Viola, precisa me dar um motivo pra isso, um motivo palpável, e não uma horda de desculpas esfarrapadas e ordens que eu tenho que seguir como um cachorro adestrado sem nem saber porque.

Com toda lentidão do mundo ele fica de pé e se vira para a lareira. Suas costas se curvam, as espáduas sobem e descem como se sustentassem o peso do mundo sobre elas. Uma pontada de culpa martela no interior do meu peito, mas sou rápido em afastá-la. Eu não vim até aqui pra desistir.

Pondo-se ao meu lado, ele se inclina na minha direção, o tempo inteiro me olhando de cima, a mão pousada sobre o espaldar da poltrona raspa minha cabeça e envia descargas de líquido frio pela minha espinha. Tenho o impulso de me levantar, assim ficaríamos mais ou menos da mesma altura e eu me sentiria mais como um humano e menos como um verme. Mas meus joelhos tremem contra os punhos fechados e não confio em mim mesmo para ficar de pé sem tropeçar.

― Um motivo para ficar longe daquela coisinha? É isso? É um motivo que quer? Aqui vão alguns: Eu sou seu pai. Eu estou mandando. Eu pago as suas contas e enquanto viver sob o meu teto vai seguir as minhas regras e fazer o que eu disser. Sem retrucar, sem questionar, apenas obedecer. É assim que as coisas funcionam, meu jovem.

Viola e Rigel - Opostos 1حيث تعيش القصص. اكتشف الآن