Sensações

38. Insegurança

- Ninha, fala comigo. Tu tá bem? - Não me lembro em qual momento durante essa conversa fiquei de costas para Vitória, talvez tenha sido logo quando ela começou a tentar explicar tudo o que sentiu, mas não me lembro, o que eu sinto nesse momento grita mais alto que qualquer coisa. 

Com o corpo voltado para janela, enxergo a imensidão escura diante de mim enquanto o amor da minha vida está a poucos passos de distância falando sobre uma oportunidade única que surgiu. Eu deveria está feliz, e até que estou na medida do possível pra que isso aconteça, mas deveria apenas enxergar o lado bom de uma oportunidade como essa, e mais ainda, eu deveria aproveitar cada milésimo de segundo em que ainda tenho Vitória por perto, porqude agora ela está a poucos passos de mim, mas amanhã ela pode estar mais de 20horas de vôo de distância e essa deveria ser a minha única preocupação, mas contrariando as regras de empatia e solidariedade com o próximo, o que significa uma grande chance pra ela é ao mesmo tempo sinônimo de angústia pra mim. 

Apesar de não conseguir formular uma frase completa e coerente para dialogar, os meus sentidos estão intactos e sinto ela se aproximar. Seus passos são lentos, como os de um caçador se aproximando da sua presa, posso sentir a ansiedade na pele, sua respiração está acelerada e mesmo estando todo tempo de costas, posso jurar que vejo o seu cabelo bem mais volumoso, assim como sinto o seu perfume se espalhando enquanto ela se movimenta. Seu corpo para diante do meu e sua sombra já alcançou a minha, ouço as batidas do meu coração e sinto suas mãos descansarem em meus ombros. Vitória afasta com cuidado alguns fios de cabelos soltos e começa a massagear dos meus ombros até a nuca.

- Ei, tudo bem se tu não quiser falar sobre isso agora, não precisa se forçar a nada. Eu deveria ter conversando com você logo que recebi a notícia, mas não sabia como, é umas coisas que acontece com a cabeça da gente, e no fim nem é. Me desculpa! - Sinto sua pele quente arder em contato com a minha que está exposta a tempo demais no vento frio que entre pela janela. 

Dois contrastes, duas texturas, dois tons.. O toque de Vitória sempre foi como gasolina perto do fogo, meu corpo passou a ser quase um dependente do dela, aprendi a me conhecer, conhecendo ela, explorei novos sentidos a observando e antes mesmo de me dar conta do que já estávamos construindo, Vitória se fez equilíbrio. Desde o primeiro instante em que a vi, ela se fez um porto seguro, e foi bem difícil pra entender toda a intensidade do que acontecia no começo, a proteção que encontro nos seus braços é sem precedente, a harmonia viva, a cumplicidade entre nós duas, a junção daquilo que eu tanto busquei durante toda uma vida eu encontrei nela da forma necessária para manter toda uma estabilidade. Mas agora,  estou diante da possível certeza de que ela não estará mais aqui para todo sempre como nós imaginávamos e além disso, a dor de não ter sido comunicada grita TRAIÇÃO e isso me aperta o  peito.

Sei que entre todas as incertezas desse tempo a única verdade absoluta que se mantém viva é a do agora! Somos e temos aquilo que se faz vivo hoje, aqui, nesse instante, e o que eu tenho de real agora, é um vento frio balançando minhas cortinas, um buraco que se abre lentamente no meu peito, uma rara e dolorosa verdade que fala no meu pé do ouvido e que me faz massagens, e a indignação que ganhou a guerra com a tristeza e já tomou conta de mim. Vitória está me deixando para sobrevoar em terras desconhecidas e me deixou de fora de toda e qualquer decisão sobre isso, parece que a chuva de vento no verão chegou forte por aqui e trouxe junto com ela a sensação de insegurança, de vulnerabilidade e uma possível separação. 

- Você vai embora!!! - Minha voz saiu arrastada e pesada demais, como se eu tentasse a todo custo me soltar das minhas próprias teias de incertezas

- Não sei se vou embora, preciso passar na avaliação primeiro Ninha.

- Não!!! Você vai embora sim!! Na verdade você já foi antes mesmo de ir, e nem se despediu.

- Do que tu tá falando Ana?

- Há mais de uma semana você já está mentalmente em Londres, Vitória! Aqui, comigo, só está o corpo, o físico, a casca. Você tá longe, e eu até achei que não fosse tão longe assim, imaginei algum problema diário ou um desentendimento qualquer, mas estava redondamente enganada, assim como também me enganei sobre tudo o que aconteceu durante esse tempo.

Algumas escolhas e decisões estão aparecendo na minha vida de uma forma inesperada ultimamente, eu cresci tendo uma direção pra seguir e isso se estendeu durante toda a minha vida. Não foi e nem está sendo fácil mudar os pensamentos e as atitudes que fui ensinada a tomar, mas as coisas só existem porque de fato outras mudam, somos seres racionais e conscientes, sabemos que nada é pra sempre e que tudo se transforma, não temos controle algum sobre isso, mas queremos ter. Não vou negar que estou antes de qualquer outra coisa decepcionada com silencio e a ausência, mas principalmente com a atitude, minha inteligencia emocional me faz viajar por um caminho onde eu não tenho mais a mão de Vitória pra segurar e além de todo sofrimento, imaginar isso me assusta muito.  

- Ninha eu entendo, e posso até sentir tudo o que está em tu porque é o que está em mim também. Tu sempre soube dos anseios , dos meus desejos, das dores que apertam e assustam, eu encontro em ti minha paz e acredite, não foi nem um pouco fácil manter em mim essa história durante esse período, mas como falar sobre algo tão bom e doloroso ao mesmo tempo? É um sonho que se faz vivo e ao mesmo tempo uma história que pode acabar, e tu nem imagina o quanto está tudo confuso aqui dentro. Mas vou deixar tu assimilar e entender tudo o que está ai dentro de ti e depois eu volto, tá?  Acho que tu precisa ficar um pouco sozinha, mas olha... - Suas mãos giraram o meu corpo e me posicionaram bem a sua frente. Seu olhar é preocupado, sua voz é mansa e a respiração pesada. Acho que inconscientemente não quis olhar para Vitória nesse momento, por saber que não teria forças pra agir racionalmente se assim fizesse e de verdade, ser racional é tudo o que eu preciso agora. - ... não esquece que eu começo em mim e acabo em ti, não faz sentido ter o mundo se não tenho você. Pensa, reflete, sinta tudo o que precisa sentir, eu errei em não te contar e peço mil desculpas por isso, mas agora tô aqui sendo o mais verdadeira possível e posso te garantir que não há nada que supere ou se iguale ao amor que sinto por ti. Quando tu estiver pronta e quiser conversar é só chamar.  

Com os olhos fixos aos meus, Vitória se aproximou um pouco mais, deslizou as mãos por toda extensão dos meus braços, segurou firmes as minhas mãos e encostou os lábios quentes e úmidos na minha testa em um beijo silencioso, demorado e cheio de significado.  Com os olhos fechados, senti o calor do corpo de Vitória se afastando, suas mãos soltaram das minhas, o vento soprou forte  entrando pela janela e o frio gelou todo o meu copro de dentro pra fora, a sensação de perda é aterrorizante e definitivamente eu não estou pronta para senti-la mais uma vez.   

- Não Vi, por favor não vai. Fica! Fica aqui comigo. 

"Estamos diante de uma nova fase.. Uma nova era!"

*Obs importante:
A perfeição exige tempo e perseverança, mas em tempos de crise, o que se faz perfeito é o carinho cultivado e entregue. Que o amor daqui, chegue ai.. Feliz ano novo cachinho! 😊🦁🎉🎈