19. Entregar

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Uma vez me disseram que o coração é traiçoeiro e por muito tempo eu realmente acreditei, até porque existe toda uma logica por trás disso. Sempre ou quase que agimos com o coração, somos levados diretamente para a caverna do sofrimento, um lugar onde todos os contos de fada se desmancham em água, ou melhor em lágrimas. Lá, todo príncipe vira sapo, toda bruxa má é amiga e toda luta constante para manter sólido o relacionamento é levado ao nocaute logo no primeiro round, não temos tempo para lidar com essas coisas do coração, a praticidade está bem ai a nossa disposição e por que não usa-lá? Por que perder tempo indo para a caverna se você pode passar longe dela?

Eu aprendi da pior maneira possível a lidar com essas situações, entendi sozinha os segredos de um coração falante e seguro de suas decisões, descobri que está em minhas mãos a decisão de quando correr ou não o risco e não é porque o caminho é escuro que você não possa enxergar o que está bem na sua frente, não é porque doeu uma vez que essa dor vai se multiplicar pra sempre.

Não planejei, escolhi ou desejei nada disso, muito pelo contrário. Eu tentei fugir, tentei negar que sentia qualquer coisa além de amizade ou de uma possível admiração por Vitória, mas só porque isso tudo ainda não faz o menor sentido pra mim. Uma mulher? Nunca me imaginei com uma! Nunca beijei ou tive qualquer curiosidade e não que isso seja nenhum reflexo de uma sociedade preconceituosa na minha vida, até porquê como diz o sábio Lulu Santos, "consideramos justa toda forma de amor..." O amor é tão íntegro que não escolhe gênero e sim pessoas, perder tempo julgando errado o amor do outro é abrir mão de viver o seu próprio amor e esse sim é um caminho sem volta. Na verdade não é o fato de ser uma mulher que tanto me assusta e sim a força disso.

A intensidade como as coisas se fixam e se desenrolam atingem de uma forma inexplicável e todas aquelas reações presentes instantaneamente se fazem, e é  dessa força que eu me refiro:
i-n-t-e-n-s-i-d-a-d-e.

- Ninha, a vida é muito ligeira pra a gente ficar se gastando com coisa que não de luz, que não é de amor, que não é de bem. Seja o seu bem, cuide do seu coração, cuide do seu, da sua vidinha e aí só coisas boas vão surgir, porque somos reflexos. Somos o que transmitimos e se o amor fala aqui dentro, transcenda sem pressa e sem medo.

O festival chegou ao fim e por mais inusitado que isso possa parecer eu não queria que ele acabasse, não quero voltar para uma realidade incerta e arriscada. Aqui, junto de Vitória tudo se faz mágico, ela me faz vivenciar sensações que eu nunca havia sentido antes, meu ser todo reage a ela, e mesmo depois de tanto tempo casada e vivendo por um amor, o que sinto hoje é totalmente novo. Sei que cada pessoa é uma pessoa e que cada sentir carrega o seu próprio perceber, mas com Vitória tudo é muito imediato. O peito que pesa e queima com a proximidade, o desejo que é tão nítido que chega a ser quase palpável, o sentir da pele, o beijo doce que parece carregar toda a imensidão do universo dentro de si e que é calmaria ao mesmo tempo que se faz explosão. Vitória é a luz que os meus olhos tanto buscaram, é o equilíbrio e a ligação natural da alma.

E no caminho de volta para nossa tão frágil realidade, enquanto falávamos sobre a curta vida das borboletas, a música escolhida da vez pela playlist de Vitória me fez desviar o foco da conversa e me perder em pensamentos.

- Essa música é tão... - Estou começando a acreditar que todas as playlists desse mundo estão agindo ao meu favor, ou contra dependendo do ponto de vista.

- Forte né? Linda e forte. Muito coração nessa letra, muito sentir representado. - Realmente a letra fala de muito sentir e como tudo se ressignifica novo para o outro, essa música hoje se resume a uma só pessoa.

Ela une todas as coisas
Como eu poderia explicar
Um doce mistério de rio
Com a transparência de um mar

Ela une todas as coisas
Quantos elementos vão lá?
Sentimento fundo de água
Com toda leveza do ar

SensaçõesWhere stories live. Discover now