7. Encanto

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- Oi! Licença, tem alguém ai? - Uma suave melodia ao piano continua se fazendo presente em todo o ambiente.

"Não sabia que era precisamente esse fracasso que me levaria ao lugar que desejava. As correntes do rio profundo foram mais generosas que o meu remar contra elas. Não cheguei aonde planejei ir. Cheguei, sem querer, aonde meu coração queria chegar, sem que eu o soubesse." 

Como lutar contra o seu destino?  Como prever onde ele vai te levar? Estou em uma cidade particularmente grande, tanto em extensão quanto em possibilidades e o meu destino, sina, sorte, acaso ou fardo me fez chegar até aqui. O que será que ele tem reservado pra mim? Minhas certezas? Minhas respostas estão nesse lugar?

Dizem que na realidade não há amor à primeira vista, que tudo não passa de marketing da indústria para elevar a romantização e vender mais livros, filmes e séries clichês. Certo, que eles forçam a barra as vezes e pesam a mão na dramatização até porquê quem se apaixona enlouquecidamente por alguém que derrubou seus livros por ai? No mínimo sua primeira reação será raiva e não amor. Mas, existe um encantamento inicial que eles nunca abordam, a atração por lugares, cheiros e sons. Você senti algo inexplicável ao se deparar com situações que a vida lhe propociona, você pode amar ou repudiar, é algo além, é mais forte que qualquer outra reação e essa sim é real, não puro marketing.

Foi toda essa mágica e encatamento que eu sentir ao entrar no "VOZES estúdio", na verdade não só por ele, o lugar, as pessoas, o ritmo diferente, o panfleto. Algo me ligou a tudo isso, e me levou a agir por impulso.  Mas, esse ato impensável pode me custa muito caro.

- Oi, Bom dia. Desculpa a demora em atendê-la, mil perdões é que acabamos de abrir e a Mariana ainda nem chegou, mas enfim, em que posso ajuda-lá? - Uma jovem branca, magra, loira com cabelos devidamente arrumados, um belo sorriso e um sotaque carregado, bem característico do Nordeste surguiu do nada para me receber, mas graças aos céus por isso, pelo menos dessa vez eu não corria o risco de ser enquadrada no Art. 150 - De Violação de domicílio.

- É, que eu vi esse anúncio na cafeteria e me interessei. - Algo em mim dizia que estava fazendo o certo, mas por outro lado, algo gritava enlouquecidamente me mandando voltar para o carro e esquecer toda essa história.

- Claro, nossas aulas de canto! - Ela me pareceu animada com a ideia de uma nova aluna e então desatou a falar. -  Tenho certeza que a senhora vai gostar, nosso método de ensino é bastante singular e vamos fazer uma trocar muito boa aqui...

- Ana Clara. - E então à interrompi. 

- Oi, o que? - Ela me pareceu confusa, mas continuei.

- Pode chamar apenas de Ana Clara, nada de senhora e nem dessas formalidades. Isso não nós leva a nada, prazer... - Fiquei alguns instantes em silêncio esperando saber do nome dela e então alguém surgiu ao fundo, passou rapidamente de uma sala à outra, segurando alguns papéis e rindo sozinha. Era lei nesse lugar, sorrir à toa e tão cedo? A visão rápida daquela mulher, tirou o meu foco, mas a jovem a minha frente tratou logo de recupera-lo.

- Gabriela. Gabriela de Melo uma das sócias do "VOZES estúdio", seja bem vida ao nosso lugar de paz Ana Clara. E agora, sem formalidades pode me chamar de Gabriela, ou simplesmente de Gabi, aqui todos me chamam assim. 

- Então, muito obrigada Gabi.

- Ana hoje parece ser o seu dia de sorte. - Sorte? Preciso mesmo de um pouco dela, quem sabe a sorte me trouxesse esperança e me guiasse por essa confusão emocional em que estou envolvida.

- Que ótimo, preciso mesmo de um pouco dela. Mas, por que seria justo hoje?

- A professora especialista em harmonização que dará as aulas do curso,  está aqui. E como hoje é a sua primeira vez, em um lugar assim... Certo? - Apenas acenti com a cabeça e continue concentrada em suas rápidas palavras. - Ela irá te mostrar tudo. Só um instante que vou chama-lá, já volto. - Gabriela saiu em busca da tal professora e não me deu nenhuma chance de questionar ou até mesmo impedi-la. Não era preciso incomodar a professora, eu não sei se vou realmente fazer o curso, eu não sei nem mesmo o que estou fazendo aqui. É  melhor eu sair antes mesmo que elas voltarem, o som do piano parou, me virei em direção à porta e então dei o primeiro passo mas, antes que o plano de fuga se concretizasse ouvir meu nome soar entre risadas.

- Ana Clara... Venha, aqui está ela. Vitória, essa é a Ana Clara, sua mais nova aluna de canto. - Não tinha mais como fugir, não poderia permanecer de costas e sair em disparada seria vergonhoso demais, uma mulher adulta, fugindo igual um animal assustado só por não saber o que havia te levado até ali. Mas, afinal do que eu tinha tanto medo? Era só uma professora, sua colega de trabalho e eu "sua mais nova aluna de canto", nada demais afinal.  Respirei fundo e pela primeira vez naquele lugar me sentir confiante, não que o ambiente não fosse um lugar de paz, é só os tormentos e todos os meus pensamentos que me revira do avesso. Mas chega de fugir de algo que eu mesma procurei, e então virei-me em direção das moças.

Sempre ouvi que as melhores coisas da vida não tem explicação. Não tem um porquê defino e muito menos um pra quer, elas só são, e quando você se da conta disso, já viveu o melhor dia da sua vida, até então. Essa historia de viver hoje sem pensar no amanha é a unica verdade absoluta existente, até porquê, você não tem nada além do hoje, o tempo nunca é suficiente e por mais que seja valioso, possuí duas vertentes opostas, ao mesmo tempo que te ensina, te mata e só o agora te pertence. E é nesse agora que toda a minha confiança respirada a alguns minutos atras se esvaiu em sensações incontroláveis, eu li em algum canto que, o destino é questão de escolha, se realmente for verdade, eu acabei de escolher o meu.. Quem é essa mulher? Por que, não consigo tirar meus olhos dela?   

  - Ei, tu que é Ana Clara? Prazer, Vitoria Falcão. Sua mais nova professora de canto, certo? Já acertou todos os detalhes com a Gabi?  - Um sorriso cativante. Um timbre grave e rouco.  Uma pele alva e de um contraste único com o seu vestido preto. Um corpo desenhado á mão, assim como o rosto, uma pitura viva e cheia de expressões. Um olhar intimidador, uma iris multi cor. Cachos. Cachos devidamente bagunçados em sua própria organização. E luz. Antes de qualquer coisa, antes de qualquer movimentação ou característica física, tinha luz. Vitoria Falcão brilha, assim como a lua, que solitária no céu ilmunina todas as noites.

Estática em sua frente, ouvia fragmentos, apenas alguns pedaços vagos do que elas falavam era capturado pelo meu cérebro e por mais que eu tentasse me concentrar, era impossível. Todos os meus comados eram negados. O que está acontecendo comigo? 

  - Tá tudo bem, Ana? - Senti sua aproximação e meu corpo entrou em colapso. Acho que fiquei tempo demais perdida em meus pensamentos de admiração que esqueci de respirar, meu coração parecia querer saltar da caixa torácica, meus pulmões não oxigenavam, equilíbrio? Perdi! O mundo estava girando e eu só conseguia enxergar Vitoria se aproximando mais e mais, até que não sentir mais nada e tudo não passou de escuridão...  

 - Vem comigo, Ana. Eu vou cuidar de você. 








"Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o encontro."

SensaçõesWhere stories live. Discover now