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"[...] Um homem dorme nos braços de uma mulher e sua alma se transfere de vez. Nunca mais ele encontra suas interioridades." (Mia Couto)


Aline

Após vencermos uma cancela e nos distanciarmos dos metros e metros de alambrado, Daniel estacionou o carro junto a outros que estavam no pátio da mineradora.

Saltamos.

O lugar era imenso, e o chão recoberto de cascalho destoava do moderno edifício de três andares, de fachada em vidro fumê, onde logo entramos. Passamos direto pela recepção e Daniel usou uma credencial para liberar nossa entrada por uma catraca eletrônica. Então subimos pelo elevador privativo da diretoria e em alguns segundos estávamos em uma aconchegante antessala.

— Pode entrar, Dr. Luthar está aguardando o senhor — liberou uma senhora de meia-idade, instalada atrás de um pequeno balcão em madeira escura.

— Obrigado, Val — Daniel agradeceu e se dirigiu a uma porta que já se encontrava aberta.

Eu hesitei um instante antes de atravessar a soleira.

— Entra, Aline — Daniel chamou ao notar que eu havia parado.

Obedeci e deparei com um homem moreno e alto, vestido formalmente, que saiu de trás da mesa assim que nos viu. Veio em nossa direção e tocou o ombro de Daniel com certa camaradagem, apesar de ostentar um semblante tenso. Logo ele me olhou e sorriu calorosamente.

— Aline. — Aproximou-se com gesto intimista, apertou suavemente um de meus braços e beijou minha face direita. — Como está? — Pelo visto ele me conhecia.

Procurei sorrir, mas acho que não fui muito convincente. Ele pareceu perceber que eu não o reconhecia, apertou os lábios e se afastou, um pouco desconcertado.

— Ahn, vamos nos sentar. — Afastou-se indicando os estofados de cor escura e textura aveludada.

Eu me sentei ao lado de Daniel, e o homem moreno, cujo nome eu ainda não conhecia, acomodou-se a nossa frente, em uma poltrona de dois lugares. Suas costas, afastadas do respaldo, e os antebraços apoiados aos joelhos denunciavam a pressa em abordar o que quer que ele tivesse para tratar com Daniel.

Olhou-o com um semblante preocupado.

— Solta, cara — Daniel incentivou com uma informalidade que deixava clara a natureza daquela relação; uma amizade.

O homem de terno assentiu com a cabeça e começou, em tom confidencial:

— Estão correndo uns rumores de que uma de nossas barragens tem um vazamento.

— Qual?

— Indarai.

Daniel assentiu com a cabeça. Pegou o iphone no bolso e concentrou os olhos no visor, correndo dois dedos rapidamente nele.

— Não está na minha área — disse, e Gabriel concordou com um gesto. — Já averiguaram?

— Não. Estou enviando nossos técnicos agora. Vão inspecionar a barragem e colher amostras do rio. A Secretaria não demora em enviar seu pessoal, e eu quero estar um passo à frente. E então? — Olhou para Daniel de modo interrogativo.

— Pelo laudo, está tudo okay, de acordo com os protocolos. Mas não fui eu quem emiti este, você sabe. — Ele passou mais um momento em silêncio, lendo algo, o olhar preocupado. — O laudo daquela empresa canadense também atesta a estabilidade da barragem. Não vejo nada de anormal nas fotos de satélite...

Gabriel soltou o ar, aliviado.

— Mas você sabe, com esse tipo de barragem, por alteamento a montante, não dá para falar em risco zero. — Uma expressão contrariada dançava nos olhos de Daniel.

Jardim de Inverno (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora