Capítulo 49 - O Pai e a paz

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Tudo que havia conseguido de verdade fora me tornar em um cara chato e arrogante que usava do humor de tom amargo para encobrir a dor que sentia. Não que isso fosse exclusivo do ateísmo, mas... No meu caso, era até isso que ele havia me levado.

É... Fazia quase 8 anos, mas... não, ainda não tinha superado. Talvez, se naquela noite gelada de quarta-feira, quando meu filho se ia, não tivesse feito comigo mesmo a promessa de endurecer o coração o quanto fosse possível pra nunca mais sentir ou acreditar que aquele "gênio maligno" existia e depois decidido ir fundo em provar isso... É, talvez já tivesse superado.

Observei a janela ainda reflexivo. Vários pingos de chuva escorregavam pelo vidro sem parar.

Pingo de chuva... A música que eu e Angel havíamos usado para apresentar Benjamin à igreja assim que ele havia nascido. Tanto eu como ela achávamos a melodia e letra perfeitas. Até que nosso menino se foi e as notas da lindíssima canção passaram a nos causar "pingos" de lágrimas no travesseiro durante as noites mal dormidas.

Fazia tempo que não pensava nela, mas me lembrava muito bem do gosto salgado que havia sentido da última vez em que me atrevera a entoá-la...

E de repente, quase sem me dar conta, lá estava fazendo tudo de novo...

"Se algum dia você vir um pingo de chuva a rolar, na janela escorrer... Saiba então que não há nenhum pingo de chuva igualzinho ao outro, pode crer..."

Apertei os olhos engolindo em seco quando cheguei ao refrão.

— "Não há outro igual a você... Nenhum outro igual a você... Deus o ama assim como é você... Diante do nosso Deus, você é muito especial... Deus o ama assim como é você..."

E lá estavam elas... As lágrimas, "pingando" em mim, na minha roupa, na minha barba... Na minha história.

"Olha o mundo ao redor... Deus conhece o seu nome! Ele sabe quem você é... Cada qual ele fez diferente um do outro, mas pra ele é como se houvesse só você..." — lembrava da mocinha do coral cantando. Parecia que tinha sido "ontem".

— "Não há outro igual a você... Nenhum outro igual a você... Deus o ama assim como é você... Diante do nosso Deus, você é muito especial... Deus o ama assim como é você..."

Enfiei o rosto entre as mãos e me permiti desabar como não desabava por aquilo havia anos.

Talvez (por mais "irracional" que parecesse) já estivesse na hora de me render àquele sentimento. Talvez já estivesse na hora de acabar logo com aquela mentira. Aquela mentira que nem benefício me trazia...

Talvez eu só devesse escutar aquela vozinha no meu subconsciente que ainda tentava falar comigo...

Guilherme

Estremeci quando escutei as batidas rápidas e fortes na porta do quarto. Já sabia que deveria ser e era exatamente o motivo do meu medo:

— Guilherme, eu sei que você está aí... — resmungou. — Te ouvi subindo as escadas.

Permaneci deitado, só esperando que ele acreditasse que eu havia caído no sono ou qualquer coisa do tipo e fosse logo embora. Não queria mais discussões.

— Olha, Gui, eu só... — Suspirou. — Só quero conversar com você.

— Conversar ou me agredir? — devolvi preocupado.

Escutei outro suspiro.

— Perdão por aquilo... — devolveu com uma tristeza palpável na voz... — Agora posso entrar? Tenho algo sério pra falar com você. Prometo que não haverá nenhum tipo de agressão.

Olhei para os lados e, me rendendo não muito animado, levantei da cama, caminhei até a porta e finamente girei a chave na tranca.

— Pode entrar. — Fiz um gesto receptivo tentando esconder o rosto inchado de tanto chorar.

Meio sem graça, ele fechou a porta e então se sentou de frente pra mim na cama. Permaneci com a cabeça abaixada, evitando seu olhar.

— Filho, eu... Eu te devo desculpas. — Fez uma longa pausa, mas, pela primeira vez, aquela não soou dramática ou dissimulada. Era como se falar lhe fosse uma tarefa genuinamente complicada no momento pelos sentimentos. — E te devo desculpas não só pelos tapas... O tipo de tratamento ao qual eu venho te submetendo nesses últimos anos tem sido muito frio, apático.

Continuei atento, ainda buscando em seu rosto ou linguagem corporal qualquer coisa que mostrasse que tudo não passava de alguma encenação. Não conseguia aceitar que ele realmente estava... emocionado?

— Você sabe, é aquela história... Depois que o seu irmão morreu, eu meio que me fechei pra tudo e todos. Não consegui aceitar que Deus havia mesmo permitido isso. Não me senti abraçado, acolhido por ele... Não senti isso no Ben também. Ele parecia ter nos abandonado. — Fungou.

Desviou o olhar por um tempo, cabisbaixo.

— Decidi me afundar no universo da ciência e do racionalismo porque parecia ser o único capaz de me fazer sentir um pouco menos vulnerável e pequeno diante da realidade. Tentei te privar ter uma religião também, porque me soava mais fácil e seguro ter que te ver sem uma esperança mentirosa do que frustrado por confiar demais no "Deus invisível", já que, quando a tive, tudo que recebi foi uma amarga decepção — murmurou com os olhos marejados e não pude evitar a pontada que senti no coração.

— Sei que fui egoísta e realmente muito estúpido às vezes, Guilherme. — admitiu. — Que me afastei de você como um pai de verdade e passei a te tratar mais como um "investimento" de sucesso acadêmico do que como de fato um filho. Te obriguei a fazer coisas que você não queria apenas pelo status e invalidei seus sentimentos... — A voz embargou de um jeito que não via há tantos anos que quase não reconheci.

— Até o fato de te chamar mais pelo nome do que de filho... — Riu com pesar. — Tentei ser alguém que sabia que não era. Mudei tanto... Até me esqueci do que realmente importa...

— Perdão por ser um pai tão distante, Gui... — Fui tão ríspido com você, com a sua mãe, com a Rebeca... Só quero dizer que se você quiser voltar pro Brasil... a porta está aberta.

Eu estava realmente paralisado. Não sabia o que dizer, fazer, pensar... Meu pai havia ressuscitado!

— Eu te amo, filho. — Me abraçou forte.

— Obrigado, pai. Obrigado...

E mal sabia ele que na realidade eu agradecia ao outro pai...

O que estava no céu.

Um Novo Coração [COMPLETO]Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang