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Raíssa Montenegro

— E cinco, seis, sete, oito, demi plié, e grand plié, demi plié, grand plié... vamos lá meninas, a flexão dos joelhos é importante, mantenham a postura sempre, uma bailarina deve ser graciosa em seus movimentos! — Assisto as minhas alunas enquanto caminho pela sala espelhada, orientando-as no exercício da barra. Lembro da minha primeira aula de ballet. Sempre amei demais dançar, é como se minha alma dependesse disto para sobreviver. Quando eu calçava as minhas sapatilhas, parecia como viajar para outro mundo. Cada pirueta, saltos, cada passo me deixava mais leve e satisfeita. No começo foi difícil aceitar que eu não posso mais viver na correria dos espetáculos e nem nos exaustivos ensaios até que tudo se saísse perfeito. Aos poucos me adaptei a minha nova rotina, com ensaios mais leves. Foi um recomeço. — Por hoje é só, meninas!

Encerro a aula, já está escurecendo e eu ainda preciso fazer compras no mercado, pois minha geladeira está parecendo loteamento novo, só tem luz e água.

Também preciso abastecer minha dispensa, eu tenho que parar com essa mania feia de esperar zerar tudo para reabastecer. 

Já no estacionamento do mercado eu vejo um Land Rover vermelho e logo me lembro do doutor simpatia pura. Rio de mim mesma por pensar uma bobagem dessas. Pego o carrinho, e corredor por corredor vou colocando o necessário nele. Tudo de repente começa a rodar, e o ar falta em meus pulmões. Entro em desespero, pois estou sozinha. Em mundo tão grande como este, me falta oxigênio.

Lógico! Para uma pessoa que tem uma bomba no peito que pode falhar a qualquer momento, tudo é possível! 

Quando noto que meus pés não vão mais me sustentar, eu agarro firme na alça do carrinho, é o único apoio que encontro para não despencar no chão. Logo vejo que não é o suficiente. O ar se esvaí cada vez mais, e então eu sinto alguém me apoiar.

— Respira fundo, Raíssa. Sente-se aqui, no chão mesmo. Vai passar, você precisa se acalmar, respira fundo— Ele sabe quem eu sou, disse meu nome, mas eu não consigo assimilar o som da sua voz e muito menos consigo olhar para o seu rosto. 

Ele me encosta em uma prateleira quando eu me sento no chão. 

— Respira fundo — sinto o homem medir meu pulso. Meu coração bate descompassado.

Aos poucos o ar vai voltando, é como se um balão murcho fosse ganhando forma a cada lufada de ar. Quando volto em si por completo, vejo que quem me deu apoio foi o doutor simpatia.

— Obrigada Dr. Hale, apareceu em um momento bem oportuno. Obrigada mesmo — eu realmente estou agradecida. 

Logo percebo que muitas pessoas estão em volta, uma platéia não esperada para o show de hoje.

— Ela está bem pessoal. Por favor, vamos dar espaço! — Além de lindo, grosso, babaca, até que desta vez ele acerta em afastar as pessoas. Uma coisa na qual eu não gosto é platéia. Me sinto exposta. — Pronta para se levantar? — Pergunta, e eu respondo concordando com a cabeça. 

Com a ajuda de suas mãos na minha cintura eu fico em pé.

— Obrigada.

— Não tem que me agradecer! Quando vi você apoiada nesse carinho, toda desengonçada, percebi que havia algo errado.

Desengonçada?

— Estou melhor e preciso ir, obrigada mais uma vez – ele apenas me dá um sorriso contido e acena com a cabeça. Fica me olhando de longe com as mãos no bolso da calça, nem termino de comprar o que preciso, quero sair logo deste mercado.  

Na fila do caixa as pessoas ficam me olhando, como se o ocorrido tivesse sido o fim do mundo. Quando chega a minha vez de passar as compras, a moça do caixa pergunta se eu estou bem e se eu preciso de alguma coisa. Agradeço a gentileza e sigo para o meu carro. Quando vou guardar as compras o bonitão aparece, para me ajudar. Fico surpresa com sua atitude. 

— Se não tivesse me socorrido hoje, eu diria que você é irritante!

— E você é toda esquentadinha! – Abre um sorriso impressionante, seus dentes são perfeitamente brancos e alinhados. — Só estou ajudando, para de dar chilique!

— Nossa o Sr. Mau Humor sabe brincar?! – Indago e rio com ele da situação — Da próxima vez que for sorrir me avisa que eu coloco meus óculos escuros.

— O que? — Ele para o que está fazendo e fica me olhando como se eu tivesse um chifre de unicórnio bem no meio da testa. Não me aguento diante da expressão e me acabo de rir. Ele fica mais perplexo.

— Calma Dr. Simpatia, só estou brincando, apenas quis dizer que seu sorriso é bonito, só isso, dentes tão brancos assim chamam atenção! Reluziu, quase me cegou!

Ele ri sem graça, entendendo a brincadeira. Noto como coloca as mãos no bolso da calça, observando tudo a sua volta. Reparo nele detalhadamente. Um homem alto, músculos acentuados, tem um sorriso fofo, mas tem algo escondido, algo que deixa transparecer amargura. 

— Raíssa, Dr. Wagner me disse que você é paciente dele, sei que não é da minha conta, mas essa sua crise respiratória me deixou preocupado. Ah, já ia me esquecendo! Aquele dia no refeitório do hospital você deixou cair um envelope, está na minha maleta, guardei para te devolver quando a visse novamente, na verdade me aproximei de você lá dentro do mercado para te falar sobre isso, foi quando vi que você não estava bem.

— Não precisava se incomodar, são apenas alguns exames, nada de muita importância — no fundo estou muito agradecida por não precisar voltar no laboratório e solicitar uma cópia dos resultados.

Sinto que ele quer perguntar o que há de errado comigo, mas minhas anteninhas informam para que eu me afaste, ou estarei sujeita a ter sérios problemas com o bonitão. Mas o inesperado acontece, sem nenhum teatro ele pergunta: 

— Quero conhecer um bom restaurante aqui em Washington, tem algum para indicar? Não aguento mais comer a comida do hospital! — Interrogativa, eu o olho — Me acompanha?


Espero que gostem, deixem seu comentário e cliquem na estrelinha, é incentivador para o autor saber a opinião do leitor

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beijossss e até o próximo capitulo!

Frágil Coração ( Degustação)Where stories live. Discover now