Capítulo 5 - Bruna (Inicio)

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    Três meses atrás, antes da Operação Estado de Cor, Bruna acordava em casa.

Quatro da manhã. Levanta, se arruma e vai pra aula, todo dia a mesma rotina. “É o último ano do ensino médio, já vai acabar, quando eu entrar na faculdade tudo vai melhorar”, dizia Bruna em voz alta, tentando se motivar. Determinação era a palavra de ordem.

O que ela mais queria era dar uma vida digna ao seu avô. Por isso encarava uma maratona diária para chegar ao colégio. A menina tinha que andar 6km de bicicleta, deixá-la estacionada na padaria do Carequinha, pegar o metrô azul até o centro, um ônibus e por fim andar mais cinco quarteirões até a escola a escola.

Mas o perrengue começava antes disso. Todas as manhãs, antes de sair de casa, ela passava o café e tomava com seu avô. Fazia dois anos que ele precisava de ajuda para todas as atividades do cotidiano.

Um crime o quebrou - não o corpo, mas a alma. Era fisicamente capaz de se levantar e fazer suas necessidades básicas por conta própria, mas desde que Bruna tinha seis anos que o velho não dizia uma palavra. O estopim foi o assassinato de sua filha e genro, os pais de Bruna. Ambos mortos em um assalto na volta para casa. O senhor viu a morte dos dois e ainda foi alvejado por duas balas, uma de raspão no rosto, que o deixou cego de um olho, outra no peito. “Senhor Antônio Oliveira, abra a boca, você sabe que eu tô atrasada”, disse Bruna com carinho ao dar uma colher cheia de mingau ao para o Avô. Antônio deu um leve sorriso e comeu. A jovem limpou o canto da boca de seu avô e continuou a alimentá-lo.

Na TV apareceu o prefeito da cidade, Lúcio “Luchi” Ormanezi. Ele participava de uma entrevista. A jornalista havia perguntado por que a prefeitura havia decidido cortar os investimentos em cultura e lazer, fechando assim algumas galerias e espaços destinados a arte. Com uma resposta curta e grossa, o homem de nariz pontudo e o queixo duplo, o que dava um aspecto tipicamente repulsivo, afirmou que: “Esses ditos artistas são parasitas que sugam dinheiro público que podia ir para outros setores”.

Antônio ficou agitado e começou a gemer e se debater. Bruna tentou segura-lo e as coisas também, eram pobres demais para deixar quebrar o pouco que tinham. Ainda assim, a tigela de mingau caiu no chão. Nesse momento Guto entra com tudo pela porta e desliga a TV. “Poxa Bruna, eu já não te disse que ele não gosta de televisão? Toda vez ele surta, menina.”, Começou com a voz máscula e foi deixando mais feminina. Bruna respondeu: “Querida, se você estivesse aqui me ajudando não teria acontecido. Eu to atrasada, não to pensando direito”, terminou. Os dois suspiraram, então o homem disse para a jovem ir, que ele se responsabilizava em cuidar da casa. Antônio olhou para Guto e vice-versa. “Não olha assim pra mim seu velho safado. Espera que já vou te dar teu mingau”.

Na verdade, era assim desde que Bruna ficou órfã. Os vizinhos deram apoio, mas foi Guto que a acolheu quando ela não queria ser levada a um abrigo para ser separada do avô pelo conselho tutelar. Guto fugiu com ela. Apesar de ter apenas 16 anos na época, hoje com 26, educou, cuidou e apoiou Bruna. É pai, mãe, irmão e irmã dela.

Chora-rios: Os Vangues (em andamento)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora