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"É possível inspirar tanto a coragem quanto o medo."

Aline

Estática, sentada na cama, eu não conseguia tirar os olhos da porta por onde ele tinha acabado de passar. Novamente era acometida pela sensação de que aquele homem queria distância de mim, de que eu o repelia. Depois da conversa do dia anterior, em que tínhamos inclusive rido juntos, eu pensava que já tínhamos superado o mal-estar, mas pelo visto estava errada. E isso fazia com que me sentisse um fardo. Um fardo confuso.

Procurei não pensar em como seria nos próximos dias, em que eu dependeria dele, pois, apesar dessa sensação de rejeição para a qual eu já havia encontrado explicação, o que me afligia verdadeiramente era ver minha intimidade violada. Por mais que me dissessem que aquele era meu marido, e que isso supusesse intimidade, eu não sentia que era assim. Não que eu fosse indiferente a ele, seu cheiro ainda me provocava comichões pelo corpo, mas daí a desfilar nua na frente dele havia uma enorme distância.

Uma batida suave à porta me despertou dos pensamentos.

— Olá. — Uma funcionária que eu ainda não conhecia apareceu.

— Oi.

— Trouxe suas coisas. — Levantou uma embalagem plástica e me entregou, saindo apressadamente. — Boa recuperação!

A princípio fiquei um pouco confusa, a embalagem nas mãos, mas logo caí em mim percebendo do que se tratava. Rasguei o plástico de qualquer maneira e deparei com um jeans sujo, rasgado, que logo abri, observando-o criticamente. Nunca em minha vida tinha visto aquela roupa.

Notei que algo caía e baixei os olhos; era uma embalagem idêntica, porém menor. Deixei o jeans de lado, sobre a cama, e me dobrei para alcançar o objeto.

Voltei a me sentar e furei a embalagem com o dedo. Olhei dentro e vi dois anéis, além de um par de singelos brincos. Retirei tudo de dentro do saquinho e observei as joias na palma de uma mão.

Uma aliança clássica, idêntica à que Daniel tinha no dedo anular, e um anel aparador, cravado de minúsculas pedras avermelhadas, que eu não soube identificar. Os brincos eram pequenas esferas incrustadas pela mesma pedra.

Após um instante de hesitação, coloquei no dedo a aliança, servia perfeitamente.

Contemplei, por um minuto ou dois, a joia, seu contraste em relação à minha pele, e cheguei a pensar em colocar o outro anel, como supostamente eu usava antes de estar naquela situação, mas, num ato quase reflexo, sentindo que aquilo tudo estava muito errado, retirei-a, guardando novamente junto com o aparador. Coloquei o saquinho no bolso do jeans e traguei saliva, angustiada.

Com dificuldade, calcei as sapatilhas e procurei dar um jeito em minha aparência, embora cegamente. Ainda não havia encontrado o valor necessário para encarar minha imagem no espelho. Eu o evitava veementemente, temia deparar com uma estranha. E não faria isso agora.

Meia hora depois de Daniel me deixar sozinha, estávamos deixando o hospital. Foi tudo muito estranho quando, a caminho da saída, paramos na recepção.

A Aline do dia anterior tinha dado lugar a outra, tensa, apreensiva. Eu sequer conseguia dissimular meu estado de espírito.

Como uma criança indefesa, testemunhei o momento quase surreal em que ele, de posse de minha carteira de identidade, preenchia um formulário e assinava guias do plano de saúde ao qual, aliás, eu nem sabia que era associada.

— Eu tenho um plano de saúde? — perguntei atendendo a uma necessidade quase infantil de confirmar.

— Claro — respondeu sem tirar os olhos dos papéis. — E não tem que se preocupar com essas questões agora. — Olhou-me de esguelha, com um ligeiro ar de advertência.

Jardim de Inverno (DEGUSTAÇÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora