O prelúdio da penumbra II

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II

O cavalo fez um som baixo enquanto Ronn lhe escovava o pelo, sempre tivera mais afinidade com os animais que com as pessoas, os animais não atacavam simplesmente porque podiam fazê-lo, invés disso, o faziam apenas com o intuito de sobreviver e os animais não se importavam que fosse um bastardo, pobre, sujo e cheio de cicatrizes. Desde criança entendera isso, quando o açougueiro havia soltado seu cão para atacar Ronn, ao vê-lo roubando uma única linguiça.

Tocou distraidamente a cicatriz nas costas de sua mão esquerda, onde o homem assustador havia lhe batido com um atiçador de lareira. Ronn apenas tivera tempo de gritar de dor e correr, levando consigo o fruto do roubo, havia sido em uma das tantas ocasiões em que ficou sem comida por dias, como forma de castigo por ter feito algo supostamente errado, como existir.

O açougueiro então soltou ao cão malhado, que na época, o superava em tamanho, se estivesse sobre as patas traseiras. Ronn correra duas ruas inteiras até que o cão o alcançasse em uma viela sem saída, ele não havia tentado atacar o animal, sabia que não era culpa dele o que o dono mandava fazer e ainda que estivesse tremendo pela fome, exaustão e medo, percebera que o bicho estava extremamente magro e com marcas de surras.

Não pensou duas vezes em dividir a linguiça roubada em duas e jogar uma parte ao cão, que se aproximava perigosamente, o animal havia cheirado a carne e a comido imediatamente, Ronn finalmente cedera com os joelhos no chão e comeu sua parte da mesma forma que o cão acabara de fazer.

Ofereceu a mão boa ao chão, para que o animal o cheirasse, quando o fez, Ronn cuidadosamente lhe fez carinho no focinho.

Passos atraíram a atenção de Ronn de volta ao presente, sentiu o forte cheiro acre da erva que mascava, antes mesmo que chegasse até ele, odiava quando ela vinha até ele, preferiria mil vezes que ela apenas gritasse de onde estivesse o que ele deveria fazer, pois vir até ele significava que ele deveria olha-la e fazê-lo era simplesmente odioso.

- Dame Gwendoline. - Disse secamente antes mesmo de virar-se para ela.

No lugar de respondê-lo, sentiu uma garra tocando-lhe as costas, de forma que afastou-se de um salto, entrando mais na baia do cavalo e pondo-o entre eles, agindo casualmente, como se tivesse mudado o lugar que escovava o animal.

Não a olhou, mas sabia que ela o vigiava com algo de malícia em seu olhar, não sabia o que era e para ser franco, gostava de continuar sem saber.

- Skiderik deve levar lenha ao quarto do grande Sêlkior, agora. - Disse enquanto dava a volta e saía do estábulo.

- Aye dame. - Respondeu secamente, sem olhar em sua direção.

Ronn deixou as coisas de lado e vestiu-se antes de recolher lenha e entrar pelos fundos da taberna, subindo a escada, em direção aos quartos, os dos viajantes ficavam a direita, de forma que seguiu pela esquerda. Muito raramente Ronn subia as escadas, o fazia apenas para levar a lenha para o quarto de seu pai, o único na taberna que possuía lareira.

Entrou pela porta murmurando um pedido de desculpas e atravessou o cômodo para se ajoelhar e iniciar seu trabalho. Até que ouviu a porta atrás de si fechar-se.

Ronn olhou por cima do ombro e congelou ao ver que Gwendoline trancava a porta. Como não tinha permissão para falar, ao menos que fosse para reconhecer a presença de um superior ou responder algo que lhe perguntassem, girou novamente para a lareira e trabalhou o mais depressa que conseguiu.

Suas mãos suavam frio enquanto ele retirava cinzas com as mãos em concha e punha a lenha. Ouviu o farfalhar do vestido dela pelo quarto enquanto agradecia a Odin20 por ter terminado e se levantava, pronto para ir embora. Sequer se dera o trabalho de limpar as mãos, quando girou e murmurou um pedido de saída.

O Despertar da SombraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora