A história de uma sombra III

202 153 76
                                    

III

Escalou os fundos da casa de Katarine, como de costume, usou as videiras e empurrou a janela que normalmente ficava destrancada, franziu o cenho quando o peso da janela não cedeu, havia luz no quarto, por que ela não a abrira para ele? Isso nunca havia acontecido antes. Encostou o ouvido na janela, ouviu um farfalhar de roupas, obviamente era ela.

Bateu suavemente duas vezes na madeira da janela. Alguns segundos depois, a ouviu destrancar, mas ela não deu passagem a ele como de costume, invés disso, abriu apenas uma fresta onde podia ver uma parte de seu rosto élfico e os bonitos olhos azul profundo. Distraiu-se com seus traços até perceber que ela mantinha a testa franzida.

– Está tudo bem, demoiselle13? – Adorava vê-la atenuar levemente o rosto quando ouvia esse termo, ele havia casualmente aprendido com um mercador de essências, não sabia qual língua era, mas achava o som bonito e suave, ao contrário de sua língua que era mais áspera e gutural.

– Nós não podemos mais nos ver – Ela ficou olhando-o por aquela fresta

Ele não identificou nenhum remorso em seus olhos, o choque de suas palavras o deixou tão confuso que mal registrou isso.

– Alguém descobriu, demoiselle?

Sabia que havia esse risco, ela também, faria sentido proibirem-na de vê-lo, ainda mais em seu quarto! Seria uma desonra para a sua família, por isso mesmo ele sempre havia tomado o maior cuidado ao ir vê-la, tão último queria era prejudica-la.

– Ikke14, estou prometida a um senhor de mercadores, então é melhor para nós dois que não nos vejamos mais. – Havia empolgação em sua voz.

Apenas o brilho daqueles olhos azuis o teria empolgado, entretanto, franziu ante a declaração, ao passo que seu coração se agitava em seu peito.

– Parece que ele tem muitas posses, não é incrível? Serei Dame de um senhor de posses! – Katarine parecia realmente animada com a notícia.

Ronn sentiu-se repentinamente enjoado e segurou-se com força da moldura da janela.

– Min15 demoiselle, você sequer o conhece! Quantos anos ele tem? –Tentou argumentar com a razão, visto que não havia nada que pudesse fazer.

Seu coração retorcia-se em uma dor sufocante, teve que conter-se para não agarrar o próprio peito, tentando afogar a dor.

Katarine deu-lhe um olhar frio, nunca o havia feito, a dor em seu peito se intensificou, sabia o que estava prestes a acontecer, ela o tolerara porque ele lhe contava coisas que ela gostava de ouvir, agora não havia mais serventia para ela, sempre suspeitara, mas nunca quisera admitir a si mesmo, ali estava a admissão, naquele belo olhar de repúdio.

Seu peito apertou com mais força, Ronn respirou devagar, a fim de aplacar um pouco a dor que fechava sua garganta. Talvez não fosse o pior cenário possível.

– Katarine, eu sei que deveria estar feliz por você, mas eu já vi casamentos arranjados demais pra saber que há chance de o seu Sêlkior trata-la mal, ele pode fazê-la infeliz o resto de sua vida!

Normalmente casamentos arranjados entre famílias mercantis eram realizados para expandir a área de venda, já vira isso antes, obviamente escondido, nas sombras. Os grandes Sêlkiors sempre viajavam muito, deixando suas esposas sozinhas em casa, era assim que surgiam os bastardos e as enfermidades nas damés, que sempre sofriam pelo descuido dos maridos.

Ela bufou e o olhou de forma estranha, como se estivesse analisando-o.

– O Sêlkior Rurik possui nome em várias cidades a norte e a oeste, meu pai se informou, não se sabe de nada que manche seu nome. – Ela o olhou impaciente. – Não há nada que você possa me dizer para me convencer do contrário, já tive dezenas de pretendentes, meu pai negou todos eles, se ele o escolheu é porque deve ser o melhor.

O Despertar da SombraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora