O prelúdio da penumbra III

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Seu coração martelava em suas costelas, sua respiração era rasa, O QUE ACONTECEU ENQUANTO ESTIVE DESMAIADO? Tentou recordar algo, mas quão único lembrava havia sido a queda e olhos azuis elétricos sobre ele.

Olhou para frente, Sêlkior Rurik estava claramente se divertindo, olhando-o em silêncio, o pai de Katarine estava a um lado, seu próprio pai, do outro, ambos olhavam-no como se estivessem prestes a mata-lo.

Não sabia o que havia acontecido, mas sabia que havia de alguma forma, sido pego por causa de Sêlkior Rurik, não entendia porque já não o haviam matado, se fosse o caso, talvez quisessem que ele estivesse acordado, para vê-lo sofrer.

- Tens certeza, Sêlkior Rurik? Não preferes que ele seja morto? - Seu pai quem havia falado, estava vermelho pela fúria e não duvidava de que ele seria capaz de estrangula-lo com as próprias mãos, se pudesse.

- Ele terá um destino pior que a morte, pelos crimes que cometeu. - A voz do homem se assemelhava a um rasgo de tão rouca e grossa que era.

De perto, Ronn percebeu, ainda confuso pela queda, que sua pele, antes de um pálido doentio, parecia agora ter sido exposta ao sol.

Ronn olhou para o céu, mal havia começado a anoitecer, não apagara por muito tempo, então como...? Arregalou os olhos de repente, entendendo seu destino, a maior autoridade na cidade no momento era Sêlkior Rurik, por ser um Senhor, de forma que ele decidiria o que fazer com Ronn. Sua vida tinha terminado.

- Tragam o hidromel! - Rugiu Sêlkior Rurik.

Os mesmos barris de hidromel que ele havia sabotado estavam diante dele, alguém segurou seus cabelos com força o suficiente para faze-lo gritar e tão logo o fez, um pedaço largo de madeira oca foi posta em sua boca, forçando-a dolorosamente aberta, tentou debater-se e percebeu que não importava o que fizesse, seria inútil, provavelmente todos ali queriam vê-lo morto, precisava poupar suas forças.

Começaram a verter o líquido em sua boca, o mesmo passava pelo oco da madeira, descendo imediatamente por sua garganta, a tinta havia se diluído como tinha imaginado, apesar do forte cheiro doce, um gosto amargo o sufocava, engasgou várias vezes, quase desmaiou pela falta de ar, mas nesse momento, Sêlkior Rurik sempre os faziam parar, apenas para continuar depois, a multidão gritava que ele fosse apedrejado, gritava que ele fosse morto.

Ronn começou a vomitar, estava banhado em hidromel, o roxo manchava todo o seu corpo.

O processo se repetiu várias vezes e pareceu ter levado uma eternidade, Ronn havia vomitado e desmaiado dezenas de vezes, seus pulmões queimavam e sua garganta era como brasa viva, respirava com dificuldade, seu corpo pesava pelo álcool fermentado, sentia-se doente.

Quando último barril esvaziou, puseram um chicote nas mãos de Sêlkior Rurik, havia pequenos pedaços de metal no meio das cordas trançadas, Ronn pensou vagamente que iriam vira-lo para lhe chicotearem, quando o primeiro golpe atingiu seu estomago, rasgando sua roupa, enquanto sangue manchava o roxo já seco, de um rico vermelho.

Morra, morra, morra, apenas morra, agora! As palavras ecoaram em sua mente durante todo o tempo em que foi chicoteado, quando jogaram pedras nele, quando marcaram a pele atrás de seus ombros com ferro em brasa, para que sentisse a palavra "maldito" em seu corpo.

E por mais que Ronn tivesse desejado morrer, permanecia acordado e lúcido, quando desmaiava, tratavam de acorda-lo novamente.

Quando a pior tortura de sua vida finalmente acabou, haviam-lhe amarrado os braços em uma tora de madeira sobre seus ombros, o esquerdo havia deslocado com a brutalidade dos movimentos, fizeram o mesmo com os pés e o jogaram de cabeça para baixo em um cavalo. Desmaiou pouco depois, pela pressão do sangue na cabeça.

Quando acordou, viu uma luz diante de si e sorriu aliviado, finalmente havia morrido, vomitou após um soco no estômago e caiu de lado, a tora sobre os ombros empurrou seu rosto para o chão, sentiu cheiro de podridão por cima do hidromel e de seu próprio sangue.

Uma risada de escárnio, passos se afastaram, tudo ficou escuro, mas Ronn não havia desmaiado dessa vez, onde quer que estivesse, não havia nenhuma fonte de luz.

Passos se aproximaram com uma tocha nas mãos. Sêlkior Rurik, o fogo iluminava seu rosto, ele parecia maior, como se músculos de repente preenchessem suas roupas, os sons distintos de passos, não mais mancava também. Ele se abaixou e trouxe a tocha para perto de Ronn, com o objetivo de ver seu rosto e lhe sorriu, seus caninos eram maiores do que jamais havia visto em um homem, divagou Ronn.

- Você quer saber o nome... Do homem que manchou seu honrado nome? - A voz de Ronn saiu rasgada, rouca e a cada palavra sentia o sangue descendo pela garganta.

Não sabia muito bem do que estava falando, estava embriagado e perdera sangue demais pelo chicote.

- Katarine me contou, Ronn. - Fez silêncio por um tempo, sabia que Ronn sabia exatamente o que quis dizer com aquela única frase. Sua voz já não era como um rasgo, pareceu mais o retumbar de um trovão.

Ronn teria soluçado de ódio e lamento pelas palavras, Katarine era a única pessoa além de sua irmã e seu pai, que sabiam seu nome, Elsea o chamava carinhosamente de irmão, nunca ouvira seu nome ser pronunciado por outra pessoa, morreria como Ronn. Angústia o corroeu.

- Tão logo o vi naquele telhado, no meio de todo aquele caos... - Riu abertamente, o som por algum motivo machucava seus ouvidos. - Queriam que tivesse sido queimado vivo, eu não permiti embora, sou grato pelo seu feito.

Ronn franziu o cenho, esse homem estranho que lhe causava arrepios, que havia acabado de lhe torturar (ainda que com razão) era a primeira pessoa em toda sua miserável vida a lhe ser grato por algo.

Ronn havia arruinado seu casamento. Por que diabos lhe agradeceria?

- Por causa de todas as pessoas que fizeram questão de me acompanhar a esta estúpida cerimônia, não pude me alimentar por semanas, estava fraco e ficando vulnerável, não possuía a menor capacidade de me alimentar por conta própria, mas graças a você e ao pânico que você causou de forma genial e infantil, fui capaz de recuperar minha força, o suficiente.

Deu-lhe uns tapas pesados nas costas dilaceradas, reverberando dor por todo o seu corpo, Ronn por uns tantos segundos ouviu gritos de dor e desespero, seus gritos, percebeu ele, a pele onde Rurik o tocou, queimava como veneno. Teria ofegado se sua visão não estivesse escurecendo gradualmente e seus sentidos não tivessem entorpecendo-se.

- Decidi não mata-lo como forma de gratidão, embora nós dois saibamos que você não será capaz de sobreviver aqui, o hidromel e o sangue muito provavelmente atrairão ursos ou lobos, ou ursos e lobos, ou tantas criaturas famintas que possam sentir seu cheiro. - O homem levantou-se.

- Tenha uma boa morte, Shiderik.

A escuridão finalmente se apoderou de sua mente.


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