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"O caos não tem estátua nem figura e não pode ser imaginado; é um espaço que só pode ser conhecido pelas coisas que nele existem, e ele contém o universo infinito." (Frances A. Yates)

Daniel

Quando eu era mais novo — e até pouco tempo atrás — pensava ter o poder de, assim como na ciência clássica, descrever minha vida em uma equação linear; que com minhas ações perfeitamente planejadas eu poderia controlar e prever cada evento. Mas viver comprova nossa ingenuidade, viver é como lançar uma pluma ao vento e descobrir quão ufanos somos ao supor que é possível prever sua trajetória. De formas inesperadas, a vida nos mostra quão pequeninos e impotentes podemos ser ante a infinitude, a imprevisibilidade do Universo e de quase tudo que nos cerca.

Somos donos de nosso destino? Não, pois há sempre algo que nos escapa, aquele simples bater de asas que muitas vezes é circunstancial e que pode ser a origem de uma tormenta.

É assombroso e irônico que o mesmo Universo composto de fractais, padrões semelhantes, seja o palco de tanta imprevisibilidade, tanto na natureza como na vida, mas eu, em meu pueril otimismo, pensei que fosse possível realizar tudo com que eu havia sonhado. Como se a "borboleta" fosse um títere, e eu, o titereiro que calcula cada movimento de suas asas.

Então cheguei ao ponto em que apenas uma pergunta parecia reger minha existência: como transformar minha vida nessa equação linear se uma das variáveis era a mulher que a cada dia eu descobria conhecer menos? Se as peças desse quebra-cabeça, que deveria ser perfeito, se desvirtuavam ou se perdiam indefinidamente.

Para começo de conversa, eu jamais imaginei, em todos os anos que eu e Aline vivemos juntos, que ela pudesse correr tanto. Um detalhe simples, aparentemente insignificante, que, na certa devido a essa ironia cósmica maior que todos nós, resultaria no completo caos. Certo, tenho que admitir que a primeira peça do dominó caíra muito antes disso; talvez quando eu tinha metido os pés pelas mãos ou, talvez, quando uma peça se desvirtuara, ou quando outra ainda mais importante se perdera... literalmente partira.

Aquela tarde em que pensei ter resolvido a questão da "variável imprevisível" em minha vida, eu me vi correndo feito um demente pela trilha que entremeava a área preservada do condomínio onde eu vivia. Esquivando-me da vegetação, irritado, desconcertado, eu seguia logo atrás dela, mas Aline se distanciava com facilidade assombrosa.

Apesar da temperatura baixa, o suor empapava meu torso e o rumor produzido pelo ar que eu agitava soprava em meus ouvidos como o urro vitorioso da própria Eris*.

Como eu havia deixado que nossa situação chegasse àquele ponto? Eu não queria que tivesse sido daquela maneira; apesar dos pesares esperava terminar com aquilo de modo civilizado e menos doloroso possível, sobretudo para ela.

Senti um ardor próximo aos olhos e me abaixei, desacelerando o passo. Um galho tinha atingido meu rosto, retardando a corrida e dando mais vantagem à Aline. Reprimi um xingamento, passei o dedo sobre o pequeno ferimento e me recompus. Ignorei a dor e voltei a correr pela estreita trilha, feito um tornado.

Naquele bosque o inverno era perene e a noite se adiantava, cúmplices devotíssimos do frondoso dossel que as árvores teciam. Mas, apesar das sombras, eu ainda podia vê-la, seus cabelos balançando ao ciciar do vento e ao sabor dos movimentos do corpo dela.

Aline se distanciava cada vez mais, e isso me preocupava. O local era ermo e logo anoiteceria. No momento, além da minha respiração ofegante e do pulsar descontrolado do coração repercutindo em meus ouvidos, eu ainda ouvia o chilrear de algumas aves, mas logo ouviria apenas o pio de alguma coruja, o cricrilar recalcitrante dos grilos, o zunir de alguma outra ave noturna... Aquele lugar podia ser perigoso e assustador à noite.

Jardim de Inverno (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now