Capítulo 2

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Ele ainda estava livre, e pior, matou mais alguém. Não o reconheceu com o cabelo loiro, pele levemente mais bronzeada e as marcas de expressão que o tempo lhe deu. Simplesmente queria desaparecer, não havia muito que fazer na época apesar de denunciar as agressões e o assassinato da filha, a polícia nunca conseguiu encontrá-lo. Agora Lawrence estava matando novamente e provavelmente destruiu a vida de diversas pessoas no vácuo de anos que se passou.

Eliza puxa profundamente uma nova tragada do cigarro que está quase no fim, hábito que adquiriu depois que sua vida ruiu, ela encara o teto branco em busca de concentração.

-Você precisa me ajudar a achar a garota. – diz Mcbell encostando-se à parede ao lado dela, Eliza sobressalta, não percebeu a aproximação dele. – Sei que vai ser difícil, ou melhor, impossível, mas por favor, me ajude a achar a Isabella.

O seu colega de trabalho era um bom homem em sua perspectiva, sempre fazia de tudo para salvar quem conseguisse, apesar de nem sempre ser possível, principalmente crianças tendo em vista que ele e sua mulher não podiam ter filhos. Não queria dizer que havia poucas esperanças em encontrá-la viva, ele com certeza não acreditaria nela e diria que estava sendo pouco profissional em deixa sua experiência pessoal intervir no trabalho.

- O que devo fazer? – pergunta sinceramente, mesmo com poucas esperanças e prestes a encarar os próprios demônios, tinha que salvar a filha da mulher que morreu pelo homem que acabou com a sua vida. – Acha que ele falaria comigo?

-Tenho certeza, viu como ele se acalmou apenas com sua chegada? – responde o detetive. –Ainda não está claro muitas coisas, como o porquê dele ficar na cena do crime, a automutilação e etc. Você precisa entrar no jogo dele.

Aiken já havia jogado e perdido, e a vida de quem ela mais amava foi oferecida como sacrifício sem que ela pudesse fazer nada. Não podia deixar de sentir-se impotente diante dele, deu uma última longa tragada no cigarro reunindo coragem. Mordeu o canto interno da bochecha até sentir o gosto metálico de sangue.

- Nesse caso, não vamos perder tempo, falarei com ele agora. – respondeu com determinação, agora estava munida da vivência com ele, a faculdade de psicologia e a experiência em crimes, podia ganhar dessa vez. Eliza anda firmemente até a sala de interrogatório sem trocar mais palavras com o amigo, não podia perder a postura. Respirou fundo e abriu a maçaneta enferrujada.

-Já estava me perguntando quando iria vê-la novamente. – diz Lawrence sorrindo aparentemente satisfeito. O estômago dela se revira ver seu sorriso cínico lhe dava vontade de vomitar, precisaria fumar muito para parecer neutra. Eliza senta-se do outro lado da mesa, apagando o cigarro no cinzeiro entre eles.

- Importa-se que eu fume? – questiona a moça.

-Sim, uma mulher fumando não é nada agradável de ver, não é feminino. – responde ele encarando o cinzeiro com repudio.

- Que pena, não me importo com sua opinião. – responde sacando um novo cigarro e acendendo. Após puxar a fumaça, inclina-se para soltar no rosto do ex-marido.

- Você virou uma puta depois que separamos, está acabando com a sua saúde. – diz ele alterando a voz.

- Ver você novamente acaba com a minha saúde. – rebate Eliza. Percebe a fúria animalesca no olhar dele, sempre que ela ousava não obedecê-lo recebia esse olhar, se ele não estivesse algemado poderia esperar um soco no rosto.

- Regrediu tanto, mas mesmo assim não consigo deixar de amá-la, sei que por trás desse rosto sério existe uma doce mulher. – diz Lawrence recompondo-se. Agora ele diz as mesmas coisas de doze anos atrás, o mesmo jogo, precisava fingir que estava desamparada para que ele achasse a suposta brecha.

-Você ficou com outra mulher e agora diz que me ama, não é muito convincente. – diz Eliza. Fingir ciúmes era uma boa alternativa.

-Isso foi um erro, ela não é como você. – responde ele. – Se eu pudesse apagar esse pedaço da história...

- O que aconteceu? Por que teve que bater nela e sumir com a filha? Não precisa se dar o trabalho de negar para mim. – dispara Eliza, não havia explicação para o ato doentio que aconteceu e ela estava evitando a todo custo saber dos detalhes do assassinato, isso poderia ter acontecido a ela, estava com medo de desejar que tivesse acabado como a vítima.

- Quer a verdade? Você sempre foi forte, mesmo depois que Alice morreu, foi forte o suficiente para seguir em frente e até mesmo trabalhar. – diz Lawrence visivelmente entediado, como se não importasse a prisão, as mortes em suas mãos e tudo que ele destruiu em seu caminho. – Mesmo que eu particularmente não concorde que você precise disso.

-Continue.

- Ela ia me deixar. – diz lentamente, cada sílaba foi devidamente pausada para que Eliza escutasse claramente. Era isso. Novamente. Ele não suportava ser abandonado, usava até o último recurso da chantagem e matava para não ser deixado. – Ia pegar a garota, que sequer era minha filha e ia fugir com ela.

Agora sim ele estava alterado, a respiração rápida e inconstante mostrava a ira ao simplesmente pensar na idéia. Eliza apaga o cigarro no cinzeiro, não havia como resolver o caso sem pensar no que houve anos atrás. Um calafrio percorreu a têmpora esquerda, involuntariamente ajeitou os óculos. Estavam chegando a algum lugar, embora ela não tivesse certeza de que era o melhor lugar.

-Quando vi a mala sobe o que tinha que fazer. – ele sussurrou, Eliza fechou os olhos, era possível prever que ele começaria a narrar à pior noite da sua vida, mas aquilo não era mais sobre a sua história. – Fingi que não sabia de nada, escondi o que ela mais amava, assisti seu desespero igual ao que ela causou em mim. O resto você já sabe.

Ela fechou os olhos e sua mente encarou seu pior pesadelo.

Não olhe para trásWhere stories live. Discover now