Here comes a new challenger

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Todos temos uma maneira de colocar os pensamentos em ordem. A de Wilson era de ficar mexendo por longos períodos, sem olhar, num velho Cubo de Rubik, mas que você deve se lembrar como Cubo Mágico - aquele quadrado multicolorido que você fica girando as partes deles até que cada lado do cubo esteja com apenas uma cor. Ele havia ganhado o brinquedo anos atrás de seu irmão mais velho, que nunca conseguiu resolver o quebra-cabeça. Desde então aquele Cubo serve como uma forma do jovem programador organizar os seus pensamentos enquanto olha para a tela do seu computador. Foi durante uma "sessão de Rubik" que seu smartphone vibrara com as mensagens do Whatsapp. Era Tiago, um dos seus melhores amigos, que também trabalhava no centro.

"Já desceu?" – Perguntava o amigo. Foi quando Wilson se tocou de já estava na hora do almoço.

"Ainda não, mas acho vou ter que fazer um lanche rápido. Tenho reunião em uma hora e estou travado aqui. Essa quarta-feira está pegando fogo."

"Então pára tudo o que estiver fazendo e corre aqui pra Super HQ. AGORA!"

"Ué, por que?"

"Te mostro o porquê."

Wilson arregalou os olhos e sentiu todos os pelos de seu corpo gordo e de sua barba se arrepiarem diante da foto enviada por Tiago, quase perdendo a respiração. Largou o cubo insolucionado na mesa e partiu em disparada. Foi com as mãos trêmulas que digitou uma resposta ao amigo:

"Estarei aí em cinco minutos!!!"

A Super HQ era uma das melhores comic shops do centro do Rio, localizada na Rua do Ouvidor, quase esquina com a Rua da Quitanda, com um ambiente pequeno, porém muito aconchegante para o público nerd. Apesar de vender os últimos lançamentos das publicações brasileiras e importadas - e algumas edições antigas, volta e meia apareciam umas boas raridades por um bom preço. E Wilson era um dos frequentadores assíduos do local, não só pelos itens que comprava, mas pelos ótimos papos que tinha com o 'Ancião', apelido do dono da loja.

Falar sobre o Ancião, cujo verdadeiro nome era um mistério, era falar sobre a própria histórias dos gibis em si. Sim, gibi. Ele adorava usar esse termo, mesmo com os novos lançamentos, sagas da semana, reboots de universos e coisa e tal. Sabia citar qualquer membro de equipe criativa de qualquer revista que fosse. Mas ele não era chamado de Ancião apenas pelo seu conhecimento. O seu grande porte físico mesclado com sua grande barba e cabeleira grisalhas ajudavam a compor o arquétipo de senhor de todo o conhecimento da nona arte.

Wilson adentrou a loja bufando de cansaço, encontrando Tiago apoiado no balcão, conversando animadamente com o Ancião. Apesar de ser hora do almoço, apenas algumas poucas pessoas davam uma olhada pela loja. Tiago observava o relógio enquanto o amigo recuperava o fôlego.

—Não falei que ele chegaria em menos de cinco minutos?

—Primeiramente, vão tomar no meio dos seus cus. – Arfava Wilson, mostrando o dedo médio para o amigo. – Segundamente, oi, Ancião. Terceiramente, me mostra a belezinha.

O Ancião deu um sorriso, colocou um par de luvas brancas e pegou um pacote embaixo do balcão. Ao abri-lo, havia alguma coisa embrulhada em um belo tecido vermelho – provavelmente cetim. Ao desembrulha-lo, podia se ver uma revista envelopada. Os olhos de Wilson brilhavam, mal podendo acreditar no que via. Insinuou pegá-la com as mãos, mas o Ancião, como que prevendo, avisou:

—Sem toques.

O rapaz recuou as mãos na velocidade de um raio.

—Então, é essa? – Perguntou Tiago, apontando para a revista. Ainda hipnotizado, Wilson começou a responder, sem ao menos se virar para o rapaz:

Bear Man número dezenove! Terceira capa variante, desenhada pelo lendário Bon Juscema, criador do personagem, que também desenhou duas páginas dessa edição! Apenas quinhentas foram lançadas! Terceira parte de Woofpocalipse, quando ele descobre que o Evil Bear-D era, na verdade, uma contraparte maligna sua do futuro, que falhou em salvar o Cubboy e o fez perder a fé na humanidade. Essa edição também é importante porque ele passa a usar um novo uniforme que durou até o número 47, quando teve a Crisis War.

— E tem um detalhezinho que você não reparou ainda, Wilson. – disse o Ancião apontando para um canto da capa.

E realmente o rapaz não tinha reparado. A capa estava autografada pelo próprio Bon Juscema e o mais bizarro: o autografo estava dedicado a alguém de nome "Will".

—Como pode isso?? Você que pediu a ele?? Que tipo de bruxaria é essa? Estou fora de mim. Quero voltar! A revista está dedicada a mim! – Dizia, eufórico.

—Mas ninguém que eu conheça te chama de Will, Wilson. – Retrucava Tiago.

—Mas seria o que eu pediria para ele autografar, se eu tivesse oportunidade, sua amarga! – Rebateu o amigo com uma careta.

—Seei... - Respondia o amigo, incrédulo.

—Antes que você tenha um filho no meio da minha loja... - Explicava o Ancião - O que aconteceu é que por uma ironia do destino, o antigo dono dessa belezinha se chamava Will. E para te deixar ainda mais com água na boca, essa é justamente a cópia de número quinhentos dessa capa.

Os olhos de Wilson se arregraram até o limite. Esse era um daqueles momentos em que o rapaz acreditava no destino e mais do que nunca: aquela revista estava predestinada a ser dele!

—Sem rodeios, Ancião. QUANTO?

—Quinhentinhos e ela é toda sua.

—Quê? Tipo assim, na lata?

—Sim.

Wilson olha para Tiago, com cara de pidão.

—Não olha para mim. Você sabe o que eu penso sobre gastar dinheiro com quadrinhos.

—Mas você gasta mais do que isso em perfumes! – Retrucou o amigo.

—E você vive falando como é esquisito. – Respondeu Tiago, com um sorrisinho. – Meu bolso, minhas regras.

Nesse meio tempo, outro cliente, um rapaz gordo, óculos escuros, de barba cheia com cabelo longos, porém raspado nas laterais se aproxima do balcão, com algumas revistas e mangás.

—Beleza, Ancião. Hoje só vou levar isso. Ah, e me vê cinco boosters de Magic, por favor.

O Ancião recobriu novamente a edição dezenove de Bear Man no pano vermelho e a recolocou no pacote, guardando-a novamente embaixo do balcão. E pôs-se a atender o cliente. Mesmo assim Wilson continuava a argumentar:

—Mas você não pode nem dividir? Quinhentos de uma vez é muito puxado!

—Tá, o que você me sugere? – Perguntava o Ancião enquanto verificava as compras do outro cliente.

—Dividir em cinco vezes?

—Duas. – Respondeu o Ancião enquanto passava a maquininha de cartão ao outro cliente.

—Tem como reservar para mim? Eu só recebo na sexta!

—Eu faço o seguinte: se até sexta ninguém fizer uma oferta melhor pela revista, ela é sua, combinado? – Entregando o recibo ao ursinho.

— Beleza!! – Respondeu Wilson, radiante. Seria capaz de dar diversos saltos mortais se tivesse aptidão para tal coisa. Foi Tiago, já na porta, que trouxe o amigo à realidade:

— Vem cá, você não tem uma reunião mais tarde?

Wilson pós a mão na testa. Estava tão extasiado que esqueceu do pouco tempo que tinha para comer alguma coisa. Mal se despediu de Tiago e do Ancião e saiu às pressas da Super HQ, quase atropelando todo mundo no caminho.

Momentos depois, Caio saia com as suas encomendas, olhando a direção em que Wilson seguira e atravessou a rua, onde Eros o esperava.

—E então? - perguntou o ex-deus.

—Ele é perfeito! 

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⏰ Last updated: Jul 02, 2018 ⏰

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Caio Ainda Não Acredita no AmorWhere stories live. Discover now