Eros uma vez

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Caio encarava o Deus do Amor, petrificado. Este, por sua vez, ostentava um semblante tranquilo e um sorrisinho perturbador.

—Nada a dizer? Esperava alguma referência nerd ou de alguma música daquela bandinha que você gosta. Rochelle, não é?

Era óbvio que Eros queria provocar o rapaz. O que ele não esperava era de que aquele chiste era o reboot que ele precisava para recolocar as ideias no lugar. Respirou fundo e perguntou, num tom sério:

—Okey, o que você faz aqui?

—O que você acha? – apontando a garrafa de cerveja para as pessoas à sua volta. – Estou trabalhando.

Caio ouviu aquelas palavras incrédulo.

—Que foi? Achou que eu vim por você? Não sabia que se importava tanto assim comigo. – Riu o deus, terminando de beber a cerveja num único gole, jogando a garrafa num arremesso perfeito numa lixeira próxima. Apesar do feito incrível, aquilo passou desapercebido pelas pessoas ao redor dos dois. "Mas eu precisava mesmo falar com você.", completou.

—Sabia! Para o seu governo, eu entreguei a Lágrima para o Moros.

Eros não disfarçou a insatisfação dele ao ouvir as palavras de Caio, mas continuou:

—Desde o nosso último... encontro... eu ando tendo dificuldades em fazer o meu trabalho. Uma parte dele.

—Como assim?

—Eu não consigo mais separar os casais.

—E isso é ruim? Para mim parece maravilhoso. Mais amor para o mundo! O Bem venceu! Fim.

Era perceptível a seriedade de Eros através das veias ressaltadas em sua testa. Mesmo assim, tentou explicar pacientemente ao rapaz:

—Não é assim que funciona. Por mais que você odeie os meus métodos, é essencial que que haja um equilíbrio.

—Equilíbrio ou controle? – Ironizou Caio. – Mesmo que eu quisesse, não possuo mais a Lágrima...

Sua fala foi interrompida pelo cintilar de uma corrente de cristal com um pingente cristalizado em forma de lágrima na mão do deus do amor.

"Mas eu a entreguei a Moros", pensou Caio, imaginando o que Eros fez com o deus do destino para reaver a Lágrima de Cronos, que no passado possibilitou que o rapaz refizesse o seu destino, desfazendo um namoro malsucedido e revelando o esquema vil do deus do amor.

—Desculpe, não vou fazer parte nisso. – disse Caio, num tom firme, dirigindo-se para fora da sala de videokê da boate, até que seu trajeto foi encurralado pelo musculoso braço de Eros, apoiando a mão na parede de concreto, provocando pequenas rachaduras. O rapaz viu aquilo, espantado e quando deu por si, Eros estava praticamente em cima dele. Parecia uma cena típica de mangás de romance, só que com ursos.

—Você não entendeu. – Sussurrou o deus num tom furioso - Você vai pegar a PORRA da Lágrima e VAI desfazer o que fez comigo.

—Er... Essa frase soou esquisita. Teoricamente desfazer alguma coisa já implica que alguma coisa foi feita, senão não poderia ser desfeita, certo? - comentou Caio, pensando em ganhar tempo para poder escapar.

A reação de Eros foi interrompida por uma voz grave, porém suave:

—Caio, está tudo bem?

Era Alberto, ainda de camisa aberta, com os pelos à mostra, que olhava seriamente para os dois, como se adivinhasse que alguma coisa estava errada.

—Sim, amigo, está tudo bem. - Respondeu Eros, com um ar intimidador.

—Eu perguntei para o rapaz, não para você. - Rebateu o velho urso, firme. - Está tudo bem, Caio? - perguntou novamente, ficando frente-a-frente com Eros. Caio aproveitou a tensão do momento para se desvencilhar do deus.

—Eu... estou bem. Já estava de saída.

Caio seguiu pelo corredor e desceu as escadas rapidamente, torcendo para que o deus do amor não o seguisse. Mas no fundo, sabia que seria uma questão de tempo. Naquele momento, queria apenas sair dali. Dirigiu-se até a fila do caixa, com umas três pessoas à sua frente. Mal pagou a comanda e deu de cara com Alberto.

—Você não está bem. - Afirmou o velho urso. - Quem era aquele cara? Algum ex?

—Só um conhecido. Ele só exagerou na bebida. - respondeu Caio.

—Quer companhia? Digo, até a sua casa...

—Não, estou bem. - Mentiu o melhor que pode. Era inevitável a preocupação com a reação de Eros. Temia que novamente ele entrasse em fúria e atacasse as pessoas à sua volta. Pensou em Alberto. Em Max e Pedro. Em seus afilhados...

Foi então que tomou a decisão mais insensata de sua vida. Pediu que Alberto o esperasse ali por um instante enquanto voltava ao segundo andar. Encontrou o deus do amor no perto da escada, apreciando um casal de ursos indo em direção ao dark room. Caio respirou fundo e se aproximou de Eros, que estranhou vê-lo ali, de novo.

—Tá, eu topo te ajudar. - Disse.    

Caio Ainda Não Acredita no AmorWhere stories live. Discover now