Pra piorar, a enfermeira não para de me perguntar como me sinto e passar a mão enrugada no meu braço. Esquivo-me e a mão dela pousa no colchão. Nunca vou entender essa necessidade que algumas pessoas têm de ficar o tempo todo tocando as outras. É chato pra caramba, e um bocado invasivo.

― Oh, querido, você vai ficar bem ― ela diz. Mas não estou realmente prestando atenção, ocupado demais com o Show do Prescott, que acaba de começar e promete bons esquetes.

― Pode arrumar o travesseiro? ― peço à enfermeira Talbot. E ao tentar me sentar para ver melhor a sessão de puxa-saquismo, sinto uma fisgada no braço fraturado e volto ao lugar.

Isso é o que eu ganho por andar com a Cara de Coruja.

O diretor se aproxima e estende a mão para o meu pai, apenas pra ser ignorado. Pobre criatura.

Estico os lábios num projeto de sorriso. A enfermeira Talbot desaprova minha atitude, está escrito na sua cara que me acha um idiota. E a reciproca é verdadeira.

― O jatinho chegou ― o diretor anuncia.

― Já era tempo.

― Jatinho? ― minha voz sai chiada e confusa. ― Para que precisa de um jatinho?

― Para explorar as profundezas do oceano ― a resposta do meu pai me pega de surpresa. Eu podia estar morto a esta altura, era de se esperar que ele levasse isso em consideração e pegasse um pouco mais leve. ― Não faça perguntas idiotas, Rigel. 

― Como se sente, garoto? Pronto para uma nova? ― o diretor cospe para mim, ignorando o alerta do meu pai sobre perguntas idiotas.

― Sim, ele saltará da escada novamente tão logo saia dessa maca. Ora, Prescott, se não tem o que falar, fique calado. Mesmo o maior dos idiotas consegue se passar por esperto se mantiver a boca fechada.

O diretor afrouxa o nó da gravata e engole em seco, quase engasgando. É uma figura patética com seu terno marrom mal cortado e peruca torta.

― O Rigel se ausentará da escola por alguns dias, eu o levarei a Londres para realizar os exames ― comunica. ― E depois de tudo que aconteceu ele merece um descanso deste lugar.

Finalmente alguém está provando do próprio veneno. Essa é apenas uma das incontáveis qualidades do meu pai, ele tem o dom de pôr as pessoas em seus devidos lugares, nem precisa se esforçar para isso. Ele não deixa margens para questionamentos, sua palavra é a lei que impera neste lugar.

Pergunto-me se alguém, além do vovô Adolf, já ousou desafiá-lo. Caso a resposta seja sim, não me resta muito a fazer a não ser lamentar pelo pobre infeliz.

Abro um sorriso orgulhoso, que desaparece tão logo me recordo das palavras da Cara de Coruja. As coisas que ela dissera antes de eu despencar da escada retornam à minha mente como um tsunami.

Olho bem para o meu pai, quero lhe fazer um monte de perguntas, mas esse não é o momento.  A lembrança da sua discussão com a mamãe na sala de estar, a veemência com que ela o acusara de subornar o banqueiro para que ela ficasse com a livraria. Estou convencido de que a mulher da livraria  é a mãe da Cara de Coruja, a tal Eliza Beene, não apenas porque ela tem uma livraria, mas pela maneira como o meu pai olhava para ela naquela foto estúpida do teatro.

Não consigo parar de observá-lo, eu pensei que o conhecesse, que sabia exatamente quem ele era, agora parece haver uma lacuna separando o homem que eu conheço daquele que subornou o banqueiro para que Eliza Beene pudesse ficar com sua maldita livraria.

O que mais ele esconde? Se estivéssemos sozinhos eu perguntaria, juro que faria, acontece que nem a enfermeira nem o diretor arredam pé, e pra completar acabo de descobrir que consegui uma passagem para Londres.

Viola e Rigel - Opostos 1Where stories live. Discover now