01 | awful things

3.7K 385 623
                                    

                NOS ÚLTIMOS DIAS, muitas coisas estiveram me aborrecendo

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

NOS ÚLTIMOS DIAS, muitas coisas estiveram me aborrecendo. Vim me perguntando por anos, o que seria necessário para ser uma pessoa feliz, mas desde que não vejo Ayla, tenho felicidade por 10 segundos e depois desaparece. Isso cansa qualquer um.

— Estamos saindo em vinte minutos, Peep. — Através da porta da suíte escutei um dos meus ''amigos de clube'' me chamando. Para falar a verdade, conviver com todos esses rapazes e garotas estranhas esteve me sufocado em um dilema horrível: nunca achei que fosse sentir saudades da minha cidade-natal, ou até mesmo da vida antiga, passando o dia andando de skate em Long Beach, escutando as melhores do Red Hot Chili Peppers. Ultimamente, os que me cercam nutrem expectativas estranhas de mim, como se devesse abriga-los em tudo que conquistei.

Molhei o rosto com a água corrente da torneira, observando meu frio e inexpressivo reflexo no espelho; nada ali parecia ser real, embora a recente overdose ainda estivesse afetando meu senso de realidade, conseguia sentir algo faltando, sempre estava faltando algo.

Era irônico pensar daquela maneira, aliás, minha cara reunia incontáveis tatuagens, preenchendo-a por inteira. Acho que minha terapia, se resumia em ser marcado por agulhas. Analisei a escrita ''Crybaby'' acima da sobrancelha, cobrindo boa parcela da minha testa, ela era uma das mais significativas e preferidas que mantinha na pele. Em dias difíceis, tenho que me lembrar que não sou um chorão e me manter grato.

Definitivamente acho o planeta muito triste, acho que também existem pessoas ingratas, o que é outro grande problema. Dizem que a depressão é um excesso do passado e a ansiedade um excesso do futuro, inegável, que vago por ambos.

— Por que essa carinha de bebê chorão?

Ayla estava sentada no corredor do apartamento, suas pernas suspendiam-se nos vãos da grade da escadaria, enquanto observava com atenção a distância que tinha do chão, como se as respostas das suas perguntas estivessem lá. Assim que passei, foi impossível prosseguir o caminho até em casa, antes de respondê-la:

— O dia está sendo horrível, não me incomode. — A olhei tão pouco, tentando não transparecer qualquer abalo emocional ou choro que pudesse vir à tona, depois desviei o olhar para a corrente do cachorro em minha posse. Óbvio que foi no calor da emoção, anos depois, tudo que mais iria desejar, seria receber a atenção dela de modo incômodo.

— Isso é óbvio para mim. — Sorriu, como se tirasse sarro. Apesar da bela e suave voz, ela carregava uma ironia descomunal na mesma. — Sua mãe levou o Taz para o veterinário, está tudo bem.

Meu coração se acelerou, como se passasse por um impulso elétrico, parte de mim, convicto que fosse pela notícia, mas não somente por ela. Meu animal de estimação estava em segurança, ao contrário de todas as ideias pessimistas que imaginei, mas ainda não estava calmo o bastante. Aproximei-me de Ayla, encaixando minhas pernas nos vãos das grades, assim como ela fazia. Ficamos em silêncio por um bom tempo, e estranhamente, gostávamos da simples calada que nos cercava, como se apreciássemos a companhia um do outro.

Em sua presença, pude estar mais relaxado.

— Tem isqueiro? — Após mexer nos bolsos de sua jaqueta cor-de-rosa neon, retirou um maço de cigarro Viceroy provavelmente roubado, perguntando-me. Fucei os da minha calça jeans rasgada, retirando um. Aos doze anos, mal estava habituado ao fumo, mas sempre carregava comigo um isqueiro, nunca sabendo quando iria me deparar com a situação de precisar usar. A primeira vez, foi com Ayla. Muitas primeiras coisas aconteceram com ela. — ''Cinza é a nossa forma mais pura''.

Após o primeiro trago, incendiando o filtro, leu impressionada a frase que marcava a embalagem branca, com minha letra falhada da canetinha permanente.

— O que significa ''Peep''? — Indagou em dúvida, a parte traseira do isqueiro contendo meu apelido de infância, o qual, mais tarde, adotaria a meu nome artístico.

— Minha mãe me chama de Peep desde que nasci. — Respondi assim que traguei com força o cigarro entre meus dedos, sentindo o olhar brilhante dela me observar por entre a fumaça rala de nicotina que nos separava, minimamente. Tomei a iniciativa de perguntar dessa vez: — O que faz todos os dias aqui?

Mesmo não sabendo da resposta, tinha algumas suposições, já que o prédio inteiro costumava comentar sobre ouvi-la gritando e discutindo com sua madrasta.

— Ah, Peep... — Um sorriso fraco marcou sua face, porém somente o sentimento de tristeza o retratava. Meu apelido em sua fala soava igual aos sussurros dos anjos, uma doçura escondida por trás de tanto sofrimento. — Quer ouvir coisas ruins? — Permaneci quieto em relação ao seu questionamento, a vendo deitar sua cabeça em meu peito. Foi um baque, mas um tão reconfortante. — Sempre gosto de imaginar como as coisas serão daqui uns dez anos, sabe? Dirigindo para longe, a cidade no retrovisor vai sumindo... cada vez mais distante.

Nunca antes havia sido entendido, até ouvi-la dizer seus planos ambiciosos de partida. Fantasiava os meus desde que me vi sem uma figura paterna em casa, e Ayla absorvia minhas dores, assim como eu as dela. O mundo parecia pequeno demais para gente como nós.

— Entendo, garota. Talvez, possamos ir juntos para Califórnia. — Sugeri, acariciando seus cabelos, que mesmo nova, compunham tonalidades azuis recém pintadas. — Diamantes, rubis e joias... elas podem ser suas.

— É uma promessa, Gustav? — Soltou um riso como se levasse na brincadeira, enquanto enxugava as lágrimas de suas bochechas, tais que molharam o tecido de minha camisa. Realmente não passavam-se de desejos sonhadores de dois pré-adolescentes frustados, almejando alto, planejando quase que o impossível, mas depois daquela conversa, estava decidido que queria conquistar o planeta inteiro e trabalharia duro para isso. — Pois, bem...

Se levantou, retirando as cinzas das bitucas que fumamos manchadas em sua roupa. Logo, acrescentou:

— Quando estiver pronto, estarei também. — Demonstrou entusiasmo, como se esperasse por uma oportunidade daquela, por um bom tempo. — Vamos rodar por aí, fazer cada suspiro valer a pena. Foda-se esses que nos odeiam, vamos ter uma vida grandiosa.

— À uma vida grandiosa! — Uni nossos mendinhos numa promessa infantil, e ela retribuiu o aperto, topando nossos planos incrivelmente movidos a um desejo mútuo.

star shopping ✦ lil peepWhere stories live. Discover now