O negro Pelé

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Ao longe se ouvia o cascalho do asfalto se arrastando e os gritos abafados do senhor negro que carregava a idade escondida no bolso do paletó desgastado e sujo. 

— Me dê um gole de café.

Sob a sombra da árvore ele aguardava, proferia como se fosse uma ordem, não implorava, não se humilhava, não conversava.

Esperava o copo fumegante com um olhar perdido, como se andar pela Terra e ordenar que lhe dessem café fosse seu destino, sua sina, sua programação.

Se o café estivesse bem quente e forte, ele bebia, deixava o copo e seguia, sem dizer obrigado, arrastando o pé morto pela rua, sem destino, fungando e soltando gritos de esforço.

Se o café estivesse frio ou fraco ele cuspia e jogava tudo fora, deixava o copo e sumia pela ladeira resmungando e xingando.

Cresci vendo esse senhor negro passar pela rua, fui criança, adolescente, adulto.
Pelé era o mesmo, não envelhecia.

Dizem que ele sempre existiu, que seus passos arrastados caminharam pelas ruas atravessando terra batida, asfalto, mato, cidade, tempos, horas e vidas.   

Ninguém nunca conversou com ele.

— Me dê um gole de café.

O Sol cambaleia e mira de longe a rua deserta.    

Contos BizarrosWhere stories live. Discover now