Ao longe se ouvia o cascalho do asfalto se arrastando e os gritos abafados do senhor negro que carregava a idade escondida no bolso do paletó desgastado e sujo.
— Me dê um gole de café.
Sob a sombra da árvore ele aguardava, proferia como se fosse uma ordem, não implorava, não se humilhava, não conversava.
Esperava o copo fumegante com um olhar perdido, como se andar pela Terra e ordenar que lhe dessem café fosse seu destino, sua sina, sua programação.
Se o café estivesse bem quente e forte, ele bebia, deixava o copo e seguia, sem dizer obrigado, arrastando o pé morto pela rua, sem destino, fungando e soltando gritos de esforço.
Se o café estivesse frio ou fraco ele cuspia e jogava tudo fora, deixava o copo e sumia pela ladeira resmungando e xingando.
Cresci vendo esse senhor negro passar pela rua, fui criança, adolescente, adulto.
Pelé era o mesmo, não envelhecia.Dizem que ele sempre existiu, que seus passos arrastados caminharam pelas ruas atravessando terra batida, asfalto, mato, cidade, tempos, horas e vidas.
Ninguém nunca conversou com ele.
— Me dê um gole de café.
O Sol cambaleia e mira de longe a rua deserta.
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Contos Bizarros
NovellaPROIBIDO EM MAIS DE 570 PAÍSES (quase todos eles inexistentes) Antologia de micro-contos fantásticos onde o cotidiano se contamina com o extraordinário. Nada é verdadeiro, tudo é permitido.