V
No meio do alvoroço causado pelo incidente, enquanto acudiam médicos, vinham os sais e corriam as amigas, umas inquietas, e outras curiosas, choviam os comentos.
- Que imprudência!
- Aquele desespero!... Eu logo vi!
- E ela que não tem costume de valsar.
- Quis fazer-se de forte!
- Não é, senhora; aquilo foi o vestido. Não vê como acocha a cintura.
- Ora! Romantismos!... dizia Lísia com um muxoxo, e acrescentou para Adelaide: Acredita no desmaio?
- Pensa que foi fingimento?
- Requebros com o marido. Queria que ele a carregasse no meio da sala e à vista de todos. Gosta de mostrar que Seixas a adora e derrete-se por ela! Pudera não! Uma boneca de mil contos!...
Nesse tema continuou a menina, que tinha a balda muito comum de falar como um realejo, pensando que assim abismava os outros com um espírito gasoso, quando ao contrário aguava o que a natureza lhe dera.
Entretanto Seixas tinha conduzido a mulher ao toucador e deitara o belo corpo desmaiado em um sofá. Estava inquieto, mas não aflito. No transportar a moça havia sentido o calor de sua epiderme e o pulsar do coração. Não passava o acidente de ligeira síncope.
Com efeito, antes que a inundassem de éter ou álcali, e que lhe desatassem a cintura, Aurélia abriu os olhos e arredou com um gesto as pessoas que se apinhavam junto ao sofá.
- Não é nada: uma tonteira, já passou.
O médico que tomava-lhe o pulso confirmou, limitando-se a recomendar além do repouso, o desafogo do vestido para respirar melhor.
- Não é preciso; basta que me deixem espaço, respondeu Aurélia.
Retiraram-se todas as senhoras e voltaram à sala. D. Firmina demorou-se com intenção de não deixar a moça; mas esta pediu-lhe que a subsituísse nas funções de dona da casa.
- Fernando fica. Vá para a sala; e faça continuar a dança. Estou boa; não tenho nada. Se constrangerem-se, é que me incomodam; cismarei que estou doente!
D. Firmina riu-se, inclinou-se para beijar a moça na testa e voltou à sala. Ao aproximar-se da porta viu alguns curiosos que espiavam para dentro, e cerrou as duas bandas fechando-as com a aldraba.
Aurélia ficara deitada no sofá, de costas, na posição inclinada em que Seixas a colocara sobre as almofadas. Quando D. Firmina afastou-se, ela cerrara outra vez as pálpebras, e engolfou-se no sonho delicioso a que a tinham arrancado.
Sua mão tateou hesitando pela borda do sofá, e encontrou a de Seixas que estava sentado junto dela, e contemplava a formosa mulher, ainda mais bela nesse langue delíquio, do que em suas deslumbrantes irradiações.
- Eu caí na sala?... murmurou Aurélia sem abrir os olhos, e corando de leve.
- Não, respondeu Seixas.
- Quem segurou-me?
- Podia eu confiá-la a outro? disse Fernando.
Os dedos da moça responderam apertando a mão do marido.
- Quando vi que tinha desmaiado, tomei-a nos braços e trouxe-a para aqui.
- Para onde?
- Para seu toucador. Não conhece?
- Não me lembro.
Seixas calou-se. Aurélia permaneceu na mesma imobilidade, com a mão do marido presa na sua, que às vezes recebendo uma ligeira vibração contraía-se.
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Senhora ♥ José de Alencar ♥
RomanceCaí no Enem! Siga o meu perfil ♡ Senhora é um romance urbano do escritor brasileiro José Martiniano de Alencar, publicado em 1874, na forma de folhetim. É um dos últimos romances de Alencar, publicado três anos antes da morte do escritor. Da mesma...