Capitulo Dezoito

3.5K 290 6
                                    

Serena

Não demorei a pegar no sono, após minha discussão com Gael, porém, durante toda a noite, tive sonhos conturbadas e em um deles eu acordei soando, era um terrível pesadelo.
Olhei no visor do meu celular e tinha algumas mensagens do Patrício que ignorei, estava decepcionada com a forma que ele estava agindo.
Cogitei a ideia de ir me sentar no hall daquele imenso hotel fazenda, sabia que há qualquer momento um fantasma poderia aparecer e me pegar, até porque já eram quase quatro da manhã e eu estava atormentando o sono dele, não ao contrário.
Porém, pensei que ficar dentro do quarto sem nada pra fazer ( não que tivesse algo à se fazer no hall) não era uma boa ideia.
Joguei uma roupa mais apresentável por cima do meu corpo, abri a porta com cuidado temendo acordar as pessoas dos quartos vizinhos e peguei o elevador.
Faltava pouco para o Natal, no Hall já tinha alguns pequenos enfeites natalinos, enfeitando obviamente alguns móveis dali. Tudo naquele lugar, cheirava à paz. Tudo era harmônico, com cor, com vida.
Há quanto tempo eu perdi a vontade de ver o brilho da vida? Foi o que fiquei me perguntando por um bom tempo.
Os acontecimentos em minha vida, foram algo que certa forma me afetou muito. Abalou minha auto-estima, meu psicológico e tudo que tinha direito. A minha primeira decepção amorosa foi um tiro certeiro dentro do meu coração, a perda da minha filha, foi uma das coisas mais dolorosas que fui capaz de sentir.
Eu sabia que precisava me reerguer, tentar viver porque infelizmente nada faria com que as coisas mudassem e que Cecília pudesse voltar.
Eu sabia que precisava me permitir um pouco mais, às vezes abaixar a guarda para um assunto ou outro, mas também sabia que talvez, só talvez, aquele ainda não fosse o momento certo.
Para todos, eu parecia a mulher mais forte e destemida do mundo, mas só eu sabia o que sentia por dentro do  coração.
Folheei uma, duas, três revistas e o sono ainda era algo desconhecido por mim. Malditos eram aqueles pesadelos.
- Também está sem sono? - ouvi uma a voz de alguém.
- Um pouco, você também?
Era Fabricio.
- Zelei tanto pelo sono do meu filho que perdi totalmente o meu. - ameaçou um sorriso.
Como devia ser a sensação de zelar pelo sono de um filho? - pensei.
- Ah sim. - falei.
- Posso? - apontou para o sofá em que eu estava, ele queria sentar-se ao meu lado.
- Claro. - cheguei um pouco para o lado.
- Pode parecer loucura, mas talvez você tenha sido a pessoa mais diferente que eu conheci nesse hotel fazenda. - sorriu.
- Diferente como? - perguntei curiosa.
- Não sei. Você aparenta ter tantos segredos, ser tão forte mas ao mesmo tempo tão ingênua, e é muito bonito e único isso em você.
- Uau. Nunca ninguém me disse isso. - fui sincera.
- Que honra ser o primeiro. - deu uma piscadela.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, até ele resolver dizer:
- Eu não sabia que ser pai era algo tão bom, sabe? Namorei por dois anos a mãe do meu filho e não demorou para que em um deslize, eu a engravidasse. No começo, foi um baque pra mim. Eu vivia viajando à trabalho, conquistando hóspedes para o meu pai, já que trabalhamos juntos e eu não conseguia ver uma vida com um filho
Ele respira fundo.
- Tínhamos muitos planos e o de ter um filho estava em último na nossa lista, sério, era uma responsabilidade que não estávamos tão preparados assim. Logo ela veio com a péssima ideia de tirá-lo e mesmo sendo na época um tanto " irresponsável" eu não aceitei de jeito algum o aborto, apesar de tudo, eu sou muito à favor da vida.
- Pode continuar... - falei, eu queria muito poder ouvir.
- E então, minha ex sofreu muito na gravidez. Descobriu inúmeros probleminhas de saúde que em um deslize poderia afetar nosso neném. Ela chegava a passar mais dias no hospital do que na própria casa, sabe? Foi um caos! Os pais dela eram pessoas muito rígidas, então, assim que ela completou sete meses de gestação, nos casamos. Na verdade, só juntamos às escovas. Aos sete meses e meio, descobrimos que nosso neném era um menino, porém, ela já havia feito inúmeras superstições que alegavam que seria uma menina! Já tínhamos até o nome, Clara. Por conta dessas superstições não pensamos em nome masculino, mas quando descobrimos que nosso filho era um menino, praticamente piramos. Eu falava de três a quatro nomes e ela não gostava. Ela me dizia um monte, e eu também não estava de acordo. Por fim, escrevemos inúmeros nomes em um papel e fizemos uma espécie de sorteio, nosso filho teria dois nomes. Os dois que tiramos foi: Diego e Rafael. Então ficou Diego Rafael.
Sorriu com a lembrança.
- Ele veio ao mundo muito saudável, mas a minha ex caiu na depressão pós parto e foi um sufoco para tirar ela. Mas sobrevivemos! Quando Diego completou cinco meses de vida, minha ex decidiu se sentir pronta para sair de casa e deixá-lo comigo nos dias que eu estava em casa. Eu juro pra você que eu nunca liguei! Porém, as saídas se tornaram frequentes e eu não conseguia ter um tempo pra mim quando estava em casa, até porque, crianças são uma espécie ligada no duzentos e vinte.
- Uau. - respondi.
- Começamos a brigar muito e chegava dias de gritarmos tanto um com o outro que nosso filho acabava entrando aos berros. Ela jogava na minha cara todas as vezes que o culpado da vida dela ser uma porcaria, era eu, por ter permitido que ela tivesse um filho. Um filho que ela não desejou.
Que idiota!! - pensei.
- Decidimos que aquilo não estava mais dando certo. Já não existia mais amor, encanto um pelo outro. Só me restava o amor incondicional que criei pelo Diego. Depois de alguns meses separados, eu me permiti sair, eu visitava e buscava meu filho um fim de semana sim, outro não. Certo dia, chegou o meu fim de semana de buscar Diego. Ela me entregou mais roupas do que o normal e disse que no meio dessas roupas, tinha um bilhete que eu adoraria ler. Cheguei em casa e quando abri realmente tinha um, que dizia: " Agora, fique com o amor que você tem pelo seu filho e fique com ele. Eu vou viver! Estou saindo do Brasil, não me procure pra nada. Adeus. Sejam felizes." Ela havia o abandonado.
Ouvir aquilo fez com meu coração doesse de uma forma inacreditável. Eu daria tudo para ter ficado com Cecília, me propus à dar minha vida pela dela e uma filha da puta como essa, fez isso.
- Isso faz um pouco mais de dois meses. Eu parei um pouco da minha vida para cuidar dele. Contratei uma babá excelente, reduzi um pouco das inúmeras viagens que fazia e trazê-lo pra cá é a primeira experiência. Não moramos nessa cidade, porém, às vezes penso em poder vir morar pra cá e deixá-lo mais perto do meus pais.
- A sua história é maravilhosa Fabricio e é notável que vocês se amam muito e que quando crescer, Diego será muito grato à você por ter cuidado tão bem dele.
Ele sorriu, envergonhado.
- Obrigada Serena. - tocou minha mão em cima do sofá.
Conversamos por mais um tempo sobre coisas da vida e as travessuras do pequeno Dieguinho.
Quando o sono estava prestes a bater, decidi subir, mas antes ofereci um abraço apertado à Fabricio. Eu já o considerava um amigo mesmo com tão pouco tempo que nos conhecíamos.
Mas, toda felicidade daquele abraço apertado acabou, quando ouvimos alguém dizer:
- Acredito eu que estou atrapalhando vocês! Essa intimidade de velhos amigos.
A voz era rude, firme, carregada de ironia e ainda era a de Patrício.

Paixão SublinhadaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora