Recomeço

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O globo amarelo jogava suas luzes a minha direita, afastando a noite para o oeste. As estrelas se ofuscavam perante sua claridade, e as ondas batiam no Theowulf que embalava o sono dos homens presentes.

Naquele mar, somente um par de olhos vislumbrava aquela aurora magistral: os meus. Passei a noite em claro, tendo os pensamentos e o silêncio por companhia. Sem planos, sem promessas; apenas lembranças.

É deveras interessante como a nostalgia toca um homem solitário. Ela revira seu passado e traz à tona cenas distintas, sentimentos diversos.

E eu tive bastante tempo para reviver os meus quinze últimos ciclos. A minha luta com Hagar me fez sentir o calor da lenha que aqueceu o seu rosto; o meu afastamento de Skald me relembrou o quanto fui tolo por acreditar que meu pai me desejava o mal; e Swiftangale mostrou o quão ingênuo eu era por confiar num estranho simpático.

Estava tudo lá, como um livro onde eu podia consultar suas páginas amareladas pelo tempo: a batalha pela ponte do Baldur; a minha primeira vez com Enya; a tortura de Therf; a batalha na Prancha; Bahamut; Nasty...

Tudo estava claro na minha cabeça. Tudo o que pensei ter esquecido, tudo o que pensei não existir mais depois da minha captura pelos Submissos. Tentei renegar, mas se o passado sempre me puxava para trás, era porque havia algo que o destino queria que eu realizasse.

Convenhamos, era para eu estar morto. Não foram poucas as vezes que eu vi e dancei com a morte. Até cheguei a beija-la quando cai do Verme do Mar, acorrentado e ferido. Se não fosse pelo estranho fato de eu ter conhecido Silêncio, aquele ser marinho esplendoroso, eu jazeria agora nas profundezas do oceano.

Entretanto, lá estava Ivarr. Cabelos e barbas gigantes e desgrenhados, roupas velhas e rasgadas como vestimenta. Com o lado direito da face retorcido, e no esquerdo a marca de escravo.

Lá estava Ivarr. Olhando para o sol que se erguia, apontando um novo recomeço. Mostrando que enquanto ele existisse, haveria luz do dia. Ensinando-me que enquanto houvesse os dias, haveria chance para iniciar uma nova jornada.

E era isso o que estava acontecendo.


Dia claro, e todos a postos, voltamos a navegar. O norte era o nosso objetivo, porém ventos contrários nos forçavam a usar os remos. Eu, pelo bem da minha sanidade, optei por deixar os outros homens realizarem o trabalho de fazer o ilfer se mover.

Naquela manhã, me empanturrei com carne seca, queijo de cabra e cerveja. Meus filhos despertaram naquele exato momento, me fazendo companhia. Eram crianças alegres e cheias de energia, sempre aprontando alguma travessura.

Eu não fazia ideia de como agir para com eles, optando, no fim, por ser apenas eu mesmo. Quando me perguntaram sobre a minha vida de escravo, eu disse-lhes a verdade, sem censuras; quando mudaram o assunto para como eu conheci a mãe deles, eu soube evitar os detalhes; e quando indagaram sobre como ela era, descrevi cada linha do seu rosto.

Sem muito que fazer, eles me enchiam de perguntas, às vezes idiotas, e me pediam para contar histórias. Quando o sol se alinhou sobre nossas cabeças, e eu continuava a ouvir as vozes dos dois, segurei-me para não distribuir tapas em seus traseiros.

Em outro momento, tivemos que parar e esperar o navio dos ocidentais que estancara sem motivo. Foi então, que eu ouvi Awen me chamar. Quando voltei-me para a plataforma do leme, vi Hagnar e ela na beirada da popa, rindo e acenando.

Antes que eu pudesse dizer algo, os dois pularam e caíram no mar. Com o coração se debatendo, eu corri para a plataforma e encarei as ondas à procura dos dois. Gritei duas vezes por seus nomes, até as gargalhadas dos homens explodirem atrás de mim.

Confissões de um Rei - ConquistaМесто, где живут истории. Откройте их для себя