Ali na sala de paz, concentrada em seu piano com um coque bagunçado no alto, seus óculos de descanso lendo uma nova partitura e cobrindo os olhos que são reflexos de tudo o que vê, sua pele alva contrastando com suas roupas quase que sempre em tons escuros, o leve sorriso ao aprender mais uma nota da nova musica escolhida e a voz rouca que se espalha por cada canto. Tudo nela é um mistério que me leva ao caminho de descobertas e eu não acreditava que existia pessoas assim, até conhecer uma. Vitória exala amor, é sempre forte em suas decisões, é solidária, é para o outro o que deseja pra si, está sempre sorrindo, deseja bom dia ao dia e eu me pergunto, quem mais faz isso? Ela acredita fielmente que o passo certo é aquele que manda o coração, se diz filha do céu, amante da natureza, as vezes pia igual passarinho e ainda se acha humana. Mas eu só digo que ela existe, porque à conheci!

(...)

 - Ninha, tem planos para hoje a noite? - Meu cérebro adora essas brincadeiras e quando estou com ela quase sempre me perco em pensamentos. 

- Hoje? Não, zero planos!

- Então agora já tem!

- Tenho? O qual? 

- Uns amigos da Gabi vão tocar em um barzinho aqui perto e ela me fez prometer que iria, mas eu prometi isso há tanto tempo que já nem me lembrava mais e hoje ela me chegou aqui toda animada porque enfim chegou o grande dia. E eu achei que seria uma boa ideia se tu fosse com a gente, topa? 

- Claro que ela topa. - Preciso me acostumar com essas aparições inesperadas da Gabriela, ela sempre aparece do nada e eu já não tenho mais o coração tão forte assim para lidar com sustos. - Num é Clarinha? Tu vai gostar, eles são ótimos! - Diferente de Vitória, ela optou por um apelido mais comum e que me lembra a infância, será que é um costume delas tratar todos por apelidos?  

- Tudo bem, eu vou!

Tudo tem um propósito e por mais clichê que seja, sua verdade é incontestável. Nada acontece por acaso, estamos diretamente ligados em tudo e sempre existe os dois lados de uma situação, assim como toda essa bagunça que se formou em minha vida. A grande jogada é saber que você pode olhar por cima do muro sem se machucar e ainda aprender com isso.

Primeira coisa que aprendi foi a ter coragem, porque sem ela nada disso jamais teria acontecido. Sem coragem eu continuaria me fazendo de cega e me anulando, mas como me enchi dela, sair do casulo e estou reaprendendo a voar. Deixei pra trás a aliança junto com toda as recordações e segui.  Segunda coisa foram as aulas de canto, que na verdade são mais que simples aulas de canto, no começo pensei que poderia estar louca, eu nem sei cantar, o que iria fazer ali? Mas é muito mais que isso. É sempre algo à mais e a música inexplicavelmente me refaz. Eu me descubro, me refaço e ainda entendo um pouco sobre a vida. E terceiro foi a amizade, não se sabe como ela surge nem tão pouco tem como controlar, a conexão surge o encantamento é imediato ou talvez não, mas se tiver de ser, será e no fim estaremos  marcando um barzinho no final da tarde.

Quando as luzes de apagam e tudo se torna  apenas escuridão, você sente que nada mais pode ser feito e pensa que ali será o fim, o que de fato é, mas não o fim de um pra sempre. E sim o fim de um novo começo, porque logo em seguida os seus olhos voltam a enxergar tudo aquilo que parecia ter desaparecido.

(...)

Aproveitei o convite para o barzinho e chamei a Bárbara pra ir junto e como boa amiga que é, logo disse sim.

- Meninas, essa é Bárbara. Bárbara essa é a Gabi, sócia do estúdio onde faço as aulas e essa é a Vitória, minha professora de canto.  - Bárbara havia ficado confusa com a minha saída repentina da última vez em que conversamos pessoalmente e depois que expliquei o porquê da súbita correria ela disse:  - O quê? Aulas de canto? Ana Clara essa história de separação é algo mais grave do que pensei e causou efeitos irreversíveis em você. Como assim tá fazendo aula de canto? Ta maluca? Tu nem canta!  - Parece loucura e eu também achei,  às vezes ainda acho, mas se o plano é me reconstruir e seguir em frente, porque não com algo que eu sempre gostei, mesmo que esse algo seja cantar? 

Gabriela tinha toda razão em estar ansiosa para o show dos amigos, eles realmente foram incríveis e com um repertório muito eclético animou todo o bar. Bah, logo se fez amiga de todos ali o que em nada me surpreende, ela sempre é leve e uma ótima companhia.

- Ninha não vai beber nada?

- Ninha? Que Ninha? - Bárbara! Bárbara! Não olhe para Bárbara! Não olhe! Tenho toda certeza desse mundo que ela ta com aquele sorriso torto de quem acabou de pegar uma indireta jogada ao vento, mas não existe indireta nenhuma para ser pegada. Ou existe? Não, não existe. É só um apelido. Não olhe para Bárbara! Não olhe para Bárbara! Ela não deixaria isso escapar tão fácil.

- Agora não, Vi! Obrigada.

- Meninas já volto, Vitória vem comigo?

- Tá. Tudo bem! - Seja lá o que Gabriela tinha inventado de fazer, levar Vitória dali foi uma péssima escolha agora tenho de encarar Bárbara com insinuações.

- Ninha? Agora tu é Ninha? Senti um clima. Você não perde tempo mesmo em Ana Clara? - Eu sabia! Bárbara não perde a oportunidade.

- Ninha é só uma apelido, assim como Bah.

- Ah não é mesmo! Bah, é o diminutivo do meu nome, quando você tem preguiça de falar Bárbara ou quando está querendo ser fofa, o que quase nunca acontece, você usa esse recurso. Agora Ninha? Ninha é muito mais, Ninha é carinho implícito e se tu tá fazendo a boba eu te digo, ela tá caidinha por ti.

- Deixa de loucura Bárbara, você tá bebendo demais isso sim. Somos amigas.

- E podem ser. Ninguém disse que é errado amiga pegar amiga.

- Cala a boca... - Antes que o nosso assunto continuasse Gabi e Vitória voltaram animadas e Bárbara se limitou a apenas observar minhas reações, enquanto brincava com o canudo do seu drink colorido.

- Meninas, ganhamos ingressos para show amanhã do 5 a seco, vocês conhecem? São uns amigos muito queridos nossos, cês topam?

- Não conhecemos, mas já amamos e é claro que vamos! - Bárbara Firmino deveria, mas não sabe permanecer calada.





"Liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser".

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