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Para cada mil homens dedicados a cortar as folhas do mal, há apenas um atacando as raízes.
Henry David

Reminiscências

Foi um dia chuvoso...corrigindo, tempestuoso. Algumas árvores despencaram pelo bosque segundo a conversa dos instrutores. A eletricidade das residências próximas foram cortadas abruptamente.

Eu estava na biblioteca nesse momento, observando pela janela gradeada, o cenário retrô, acompanhando a leitura do livro O príncipe e o mendigo. Era a terceira vez que eu lia e nunca me cansava mesmo ciente do final.

Pelo fato de estar chovendo muito as crianças aproveitavam nesse período para assistirem desenhos no segundo andar. Eu não me importava de estar sozinho, era o momento em que eu tinha mais privacidade com minhas memórias e distante da falsa preocupação dos funcionários.

Não tenho certeza se todos sabiam do meu paradeiro porquê ninguém veio à minha procura, me deixando demasiadamente aliviado. Não observei o relógio no topo da parede só quando cheguei na parte em que Edward se encontra com Tom, a porta da biblioteca se abriu lentamente, tirando-me do estupor da leitura e revelando o rosto do diretor.

Ajeitei a postura na cadeira esperando que ele proferisse mais um de seus assédios, na verdade, já o flagrei agindo assim com outros meninos e se ele assim o fizesse naquele momento seria a primeira vez comigo, embora, várias vezes estranhava seus olhares sombrios na minha direção.

- Por que não está junto com as outras crianças? - Quis saber, fechando a porta e olhando insistentemente para os lados.

- Prefiro ler, senhor. - Dei de ombros, firmando as mãos na capa dura do livro para ele não perceber meus tremores.

- Que menino aplicado. - Sorriu, aproximando-se da mesa. No mesmo instante fiquei em alerta. Mamãe já havia me contado antes sobre pessoas ruins querendo fazer maldade com as crianças. Eu nunca poderia cair na conversa deles. - Posso ler pra você?

- Eu aprendi a ler desde os meus três anos de idade, senhor. - Me levantei com o livro em mãos.

- Está com medo de mim? Não sou o lobo mau, Paulo.

Pisquei os olhos confuso. Tudo nele me 'cheirava mau.' Sua mão áspera tocou meu ombro de forma bruta como se quisesse me manter imóvel no lugar. Com medo e sem pensar duas vezes o mordi, fazendo-o recuar gemendo de dor. Rapidamente corri para abrir a porta e chegar logo no meu quarto.

No corredor esbarrei com um garoto desconhecido. Não reparei em detalhes ao pedir desculpas. Só lembro dos olhos da cor do céu de verão.

Depois desse dia, o diretor evitou se aproximar de mim mesmo surgindo repetidas vezes onde quer que eu estivesse - já que agora eu ficava onde tinha outras pessoas por perto. Acho que isso o enfureceu, pois, em um dia qualquer ele forjou uma punição por algo que não cometi.

Me mandou chamar em seu escritório onde me aguardava com um sorriso no rosto.

- Você finge ser um bom menino, Paulo. - Disse, o sorriso labioso acentuando as poucas rugas na pele ainda jovial. - Para o seu azar eu sou muito bom em desvendar pessoas.

- Por que me chamou?

Eu realmente estava curioso e com medo. Lembrei de mamãe me aconselhando antes de morrer. Nunca caia na lábia de ninguém mesmo que esse alguém seja seu conhecido.

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