CAPÍTULO 3 - TRÊS MESES DEPOIS

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A conversa e o jogo se estenderam por horas. O primeiro a falir foi Alan, que acabou hipotecando a maior parte de suas posses. Briel adquiriu alguns títulos do amigo por um preço bom. Em seguida, quem precisou se esforçar para se manter operante foi Kristina. Lorena, vendo seu aperto, ofereceu:

— Eu te dou um milhão pela Companhia de Petróleo.

Kristina refletiu enquanto levava uma garrafa de cerveja à boca.

— Humm... Se você deixar a proposta de pé, talvez mais tarde.

— Agora ou nunca.

Ela bebeu outro gole.

— Então não.

— Não vai arriscar?

— Não.

Lorena deu de ombros e o jogo continuou. A certa altura, Tiara perguntou:

— Não vai beber não, Lorena?

— Eu não bebo... Religião.

— E que religião que não deixa beber? — perguntou Duke.

— O Divino Guerreiro Sama criou a nossa consciência já do jeito como ela tinha que ser. Logo, qualquer tipo de droga contribui pro desequilíbrio do espírito, o que traz o desequilíbrio do corpo, depois das sociedades... enfim.

— Mas você é samista ortodoxa, não é?

— Sou.

— Porque, tipo, eu também sou samista, mas não ortodoxo, não. Sabe, eu não frequento mais nenhuma Casa, mas eu ia com minha mãe quando eu era pequeno e nunca ouvi ninguém dizendo isso das drogas. Interessante, até. Mas acho que comigo não ia dar certo.

— Eu nunca entendi direito o mito do Sama — disse Tiara. — Meus pais são ateus e meu colégio era laico, e honestamente nunca cheguei a pesquisar sobre.

Oto, o irmão de Alan, tomou a dianteira, com o peito estufado:

— O Divino Guerreiro Sama é um dos vários deuses que vagam no espaço criando planetas e seres. Bom, eu não gosto de chamar de "deus". Ele é um ser, também. Ele criou nosso planeta, os humanos, os animais, as plantas e os microrganismos. Mas também criou outros planetas, por isso tem um monte pra administrar, e ele não é perfeito e todo-poderoso como o Deus absurdo dos monoteístas.

— Como o Deus absurdo? — interrompeu Duke, com uma careta.

— Desculpa — disse o garoto com um ar de "tanto faz". — Continuando, o Sama é obrigado a ficar um tempo fora, deixando a gente sozinho, e só pode voltar de tempos em tempos, que ele reencarna pra trazer a paz de volta pra gente. Porque vocês têm que entender que uma sociedade é um sistema, e todo sistema, pelas leis da física, tem uma tendência natural à desordem. O grau de desordem a gente chama de entropia. Meu professor falou que a gente só aprende isso mais a fundo na faculdade, mas eu pesquisei. A entropia se refere ao número de possibilidades possíveis como as partículas de um sistema podem se organizar. — Olhou para Briel, e o silêncio do rapaz foi confirmação suficiente para que o pirralho prosseguisse. — Se a gente aplicar isso a uma sociedade, que é um sistema de pessoas organizadas, a gente vê que a tendência é à desorganização, ao caos. — Aí sim Briel franziu o cenho. — Pra vocês entenderem: se você tem uma única ordem X de como a sociedade pode funcionar, você tem estabilidade. Por isso o exército tem leis rigorosas de comportamento, pra manter a ordem. Mas quando você dá liberdade pra existir outro jeito da sociedade funcionar, você já diminui a ordem. Você aumenta a desordem, a entropia. Agora, se você deixa a sociedade se organizar tanto na ordem X quanto na Y quanto na Z e indo por aí, você tá aumentando cada vez mais a entropia, porque daqui a pouco cada um vai simplesmente fazer o que quer. Imagina! Os moralistas chamam isso de liberdade, mas é só uma porta aberta pra um milhão de conflitos.

AO NOSSO HERÓI, UM TIRO NO PEITOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora