C1- Está me ouvindo?

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Loyal chega em casa com seu rosto molhado e pingando. Talvez eram lágrimas, talvez eram as gotas da chuva, nem ele sabia mais. Imagine que alguém esfaqueie seu coração até que ele apodreça. Era assim que sentia-se Loyal. Era assim que ele gostaria de estar depois de saber daquilo. Estava desesperado. Alguém que ele fraternamente amava, por mais que orgulhosamente nunca tenha dito isso com palavras, acabara de perder seus movimentos por sua culpa. Ele estava sem chão, perplexo, sem direção, desgovernado, sentia vontade apenas de fechar seus olhos e gritar para que acordasse logo desse pesadelo. Mas dessa vez ele não podia apenas sentar-se e esperar por aquela voz, era real.

Sentou-se no sofá de qualquer jeito, só deixando a gravidade empurrar seus membros para onde ela quisesse, ora, isso passara a soar familiar para seu amigo...

A culpa tinha o peso de um cometa em extrema velocidade o atingindo, mas infelizmente apenas os dinossauros tiveram essa sorte.
Outrora ele pensava em porque seu amigo manteve aquilo em sigilo até mesmo dele. Não era obvio? Seu amigo diferentemente dele, era bom de mais para permitir que Loyal sofresse a dor da culpa. Ali ficou ele sentindo raiva, raiva de si mesmo, a mais marcante dor do arrependimento, até que escurecesse e sua mãe chegasse mais uma vez cansada do trabalho.

-Oi filho!- Ela fechava a porta, desviando seu olhar de Loyal sem se preocupar com o mesmo.

Loyal nada respondeu.

-Droga... Acho que esqueci a chave de casa no trabalho, ainda bem que você tem uma cópia.

-Mãe. -Disse Loyal com uma vazia voz.

-Hum? -Ela desviou seu olhar para
Loyal, e imediatamente notou sua tristeza e seu desespero. Sua face denunciava isso a quilômetros.

-O Henrrique.-Disse Loyal com uma voz roca, estava um trapo.

-O que houve com ele?- Fazia um semblante de medo enquanto perguntava.

-Ele não pode mais andar mãe.

-Que terrível! Pobre Henrrique.

-A culpa dele não poder mais andar. É minha culpa mãe.

-Porque?- Disse ela levantando ainda mais suas pálpebras.

-Eu fiz ele voltar pra casa na hora errada.

-Não é sua culpa filho!

-Eu até mesmo desejei que ele fosse atropelado.

-Não filho! Seu desejo não pode provocar um acidente!

-Será? Será que não pode? E se puder? Como vou saber? Eu não posso saber? A culpa é minha! Minha! A droga da culpa é minha! Está me ouvindo, mãe? Minha!- Suas lágrimas abafadas ganharam liberdade para rolarem soltas em sua face.

-Filho eu também me culpei pela morte do seu pai. Isso não vai te levar a lugar nenhum.

-Talvez tenha sido sua culpa mesmo!

Fez-se silêncio. Loyal acabara de prestar a atenção no que disse. Sua mãe olhava para ele com olhar de repreensão e ao mesmo tempo medo. Ela apenas colocou sua bolsa no chão, lá mesmo no meio da sala, e se dirigiu para seu quarto. Loyal observou ela ir em silêncio, sem coragem de dizer qualquer outra coisa.

Loyal abriu a porta de sua casa. Pegou sua jaqueta ainda húmida. Vagou sem rumo pela cidade a fora.
Foi quando novamente estava na praça. O tom era de fim de tarde mas haviam nuvens extremamente densas no céu, paras quais ele se olhava sem emoção.
Pessoas começaram a surgir de todos os cantos, correndo como se não houvesse amanhã. No céu se formava um espiral que sugava a ponta dos arranha céus, Loyal nada fez. Observava tudo, mas nada fazia, nem mesmo uma expressão.
Então novamente aquela penetrante voz o disse:

-"Será cúmplice disso se nada fizer para impedir."

-Eu não sei o que fazer.- Disse com uma voz que nada expressava, quase um sussurro.

-"Mesmo que isso doerá, impeça."

-O que doerá?- Novamente um inexpressivo som saiu de sua boca.- Eu já estou cansado disso, disso tudo, de você pai. Tudo isso tá acabando comigo. Para, para por favor- As ultimas palavras começaram a ser cortadas por soluços acompanhados de lágrimas, ele chorava mais uma vez, torturado por uma facada de emoções, mais uma vez o desespero encontrou uma forma de chegar até ele.
Mais um temporal começava dentro de Loyal.

O som das fortes buzinas foram o bastante para trazê-lo de volta à realidade.
Loyal estava novamente naquela noite, no meio da rua, em pé, impedindo a passagem de dois carros, que buzinavam para ele, talvez os motoristas o xingavam, os faróis ligados ofuscavam sua visão e a barulheira toda provavelmente gerou lucidez em algumas pessoas que dormiam em suas casas naquela rua.
Inerte, inexpressivo, apenas ali ficava como se nada mais além de seus pensamentos importasse naquele momento.

Chuva TorrencialOnde histórias criam vida. Descubra agora