CAPÍTULO DEZ

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Estou parada no meio da sala do meu apartamento. Voltamos aqui para pegar suprimentos úteis na nossa fuga, e eu sei que não devo me importar com bens materiais nessa altura do campeonato, mas, ainda assim, eu me importo. Quero levar todas as minhas coisas comigo, desde a coleção de dvds de filmes de terror até o sofá marrom escuro que demorei meses para convencer Lucas a concordar em comprar. Todas essas coisas foram partes importantes da minha vida. Nunca iria querer deixá-las para trás.

— Ah, meu querido apartamento...

Lucas está encostado contra a parede perto da sacada, de braços cruzados, me olhando de uma maneira curiosa, e é só então que eu percebo que estive lamentando em voz alta.

— Um dia, quem sabe, poderemos voltar aqui sem que tenha todos esses zumbis por perto. Aí você terá o seu apartamento de volta — ele conforta.

Quero acreditar no que Lucas diz, mas não acredito. No fundo sei que, um dia, quando e se voltarmos aqui, só encontraremos as ruínas deste prédio e, com sorte, talvez vejamos as capas das almofadas do meu sofá entre os escombros.

— Eu duvido muito disso — respondo.

Ele assente, pesaroso, e anda na direção da cozinha, abrindo o armário. Vou até o meu quarto e pego uma mochila que servirá de abrigo aos suprimentos necessários para a viagem até o topo — e eu digo suprimentos de verdade, dessa vez. Nada das besteiras de Lucas para nos atrapalhar com todo o glúten e as calorias que nos impediriam de correr como se fôssemos sedentários velhos e preguiçosos. Infelizmente, se pararmos para pensar, a vida pós-apocalíptica é uma vida fitness.

Antes de sair do quarto tento pensar em algo pequeno que eu possa levar daqui. Curiosamente, a primeira coisa que vem à minha cabeça é a foto do meu casamento com Lucas que mantenho guardada no criado-mudo ao lado da cama. Ela foi o nosso primeiro registro como marido e mulher, e nela eu converso com algum convidado da festa enquanto Lucas mantém um daqueles seus sorrisos bobos ao olhar para mim.

É uma bela foto.

Tiro-a do quadro e a levo comigo.

— Você só tem coisa enlatada! — Lucas diz quando chego à cozinha. — Milho enlatado, sopa enlatada, feijão pronto e enlatado... Meu deus! Existe até x-burguer vegetariano enlatado?!

— Pare de reclamar! — coloco a mochila sobre o balcão, não querendo explicar para ele que aquilo não é um x-burguer. — Temos pouco tempo.

Ando até o armário e tiro uma das latas de sua mão, irritada com o modo como ele olha para ela. Abro a mochila e começo a procurar coisas que realmente possam nos ajudar. Coloco barras de cereais, bolacha integral e algumas garrafas de água. Quando termino, Lucas parece estar fazendo contas que não entendo o exato motivo.

— Você tem dez latas de feijão enlatado. Por quê?

— Eu gosto de feijão, Lucas, qual é o problema?

— Nenhum.

Reviro os olhos. É claro que há um problema. Ele sempre encontra motivos para discordar de qualquer coisa convenientemente saudável que eu faça.

Volto para a mochila. Preciso fazer um inventário do que temos.

— Posso te fazer uma pergunta?

Balanço a cabeça e faço um aham distraído enquanto sei que ele cruza os braços e encosta contra a bancada da cozinha.

— Por que não usou a arma?

Paro e luto contra o impulso de olhá-lo enquanto penso em uma resposta. Apesar de eu ficar em dúvida por um tempo, analisando o seu tom de voz, chego à conclusão de que essa pergunta é só uma desculpa; uma maneira de chegar a algo mais. Ele sabe que eu não toco em armas, então a pergunta foi quase uma confissão, como: você viu a arma(?) porque é impossível que não tenha visto. E já que viu, por que não está gritando comigo?

É. Confesso que se fosse há três anos, eu teria feito um escândalo por causa daquela arma. Teria jogado-a pela sacada e gritado com ele ao invés de simplesmente ignorar e fingir que não sei de sua existência. Ele provavelmente esperava que eu pedisse algum tipo de satisfação. E eu a peço:

— Por que você tem uma arma? — e finalmente consigo olhar para ele.

Lucas ainda está com os braços cruzados. Meus olhos piscam e eu volto a encarar a mochila, de repente não sabendo mais se são as bolachas ou os cereais que vão por cima.

— Por que não faz a pergunta certa? — ele parece me desafiar, mas não entendo a real intenção. — Aquela que você realmente quer saber a resposta

Sinto que ele está, de certa forma, sendo cruel. Falar sobre armas me traz uma série de lembranças horríveis.

— Você já tinha essa arma quando éramos casados? — entro no jogo dele.

Ouço-o soltar a respiração pelo nariz. Consigo vê-lo sem ao menos precisar olhá-lo; toda a sua forma, sua expressão e seus movimentos corporais impregnados na minha mente que cisma em o conhecer tão bem. A demora me faz hesitar, nervosa com algo tão significante. Respiro fundo e tento pensar em se ele seria capaz de me desrespeitar daquele jeito. Se ele passaria por cima dos meus traumas por um simples capricho.

Então ouço o som da sua voz, e eu sei que ele não está mentindo:

— Não.

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29 Andares e Alguns ZumbisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora