CAPÍTULO VINTE E TRÊS

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— Como que isso funciona? — pergunto, batendo com o rádio nas minhas mãos.

Com a última surpresa, acabamos voltando ao apartamento de Rodrigo. Queríamos tentar fazer esse maldito rádio pegar, mas não temos a mínima ideia de como ele funciona. Foram mais de dez minutos perdendo o resto da nossa dignidade para obter qualquer sinal de vida, e não adiantou nada.

Suspiro e caio sobre o tapete, cansada. Minhas costas estão apoiadas contra os pés do sofá, meus dedos formigando pela adrenalina de ter escutado a voz de outro ser vivo que não seja a de Lucas. Neste momento há um pequeno raio de esperança crescendo em meu peito, e eu sei que é inútil, porque vou morrer de qualquer jeito, mas não consigo me sentir menos feliz por isso.

Lucas e Pedro ainda terão uma chance.

— Você está se sentindo bem?

Lucas me olha com os seus olhos azuis extremamente preocupados. Sei que não estou no meu melhor estado físico e mental, mas não consigo admitir em voz alta que acho que o meu tempo ao seu lado está acabando, então respondo:

— Ótima.

Como se o Universo estivesse me castigando por ter mentido, sinto uma pontada terrível no estômago e, de repente, não consigo me mover direito. Meus olhos lacrimejam enquanto alguns apagões tiram e colocam coisas em foco. Lucas se aproxima, preocupado, e eu não entendo quando ele segura o meu rosto entre suas mãos, passando o polegar pela minha bochecha, mas fico extrinsecamente grata porque, no meio dar dor, a única coisa boa que sinto é o seu toque.

— O que foi? — pergunto, alarmada.

Ele desce as mãos do meu rosto para os meus ombros e os segura como se eu estivesse prestes a cair.

— Melissa...

— O que está acontecendo?!

Levanto e corro para a frente da televisão. No reflexo escuro vejo o meu rosto exibir linhas que começam no meio das minhas bochechas. Então me aproximo um pouco mais da tela e noto que as linhas são, na verdade, veias. Veias esverdeadas.

Lucas continua me encarando, mas eu não quero que ele me veja assim. Não quero ser o monstro, não quero que ele tenha pena e muito menos medo de mim, então corro para a sacada do apartamento de Rodrigo e fecho a porta às minhas costas, correndo até o parapeito.

Há um minuto eu estava confiante de que conseguiria sair daqui e que levaria Lucas e Pedro comigo. Havia literalmente uma voz para nos guiar. Um helicóptero. Pessoa vivas.

Agora, a única coisa que sinto são os pequenos e quase imperceptíveis espasmos que os meus dedos sofrem em suas pontas. Eu os olhos contra o parapeito, o modo como não consigo controlá-los, e sei que, logo, isso acontecerá com todo o meu corpo. Tudo o que eu sou, a minha personalidade, a minha humanidade se esvairá e o que sobrará de mim será um corpo meio morto.

Então percebo que tenho uma opção. Uma única opção além da de virar uma Isabela. A mesma opção de quando começamos essa história, de quando eu decidi contar todos os meus problemas e os do mundo para você.

Pois bem, quem quer esteja lendo este diário: aqui estamos nós. Só eu, você e uma maldita sacada, como no começo de tudo. Eu te pergunto, com sinceridade, o que você faria no meu lugar? Você se jogaria? Ou arriscaria ficar e colocar em risco a vida do homem que um dia amou mais do que ama a si mesma? Você seria egoísta como eu estou sendo desde que percebi que sou perigosa e não fiz nada a respeito?

Eu quero viver. Quero mesmo. Mas agora eu tenho certeza de que a única coisa que farei continuando viva, para o resto da minha existência, é destruir outras vidas. Começando pela de Lucas e de Pedro. E eu não posso permitir isso.

Olho para a cidade à minha frente e mal consigo identificar os objetos sobre o asfalto. Vejo alguns zumbis se movimentando ao longe, vejo carros abandonados, vejo lojas quebradas. Eu vejo tudo o que o mundo se tornou e, olhando para as minhas próprias mãos, para as manchas esverdeadas que começam a se formar por entre os meus dedos, vejo que me transformei em algo junto com ele.

E, de algum modo, eu não consigo enxergar um monstro. Pelo menos não mais.

 Pelo menos não mais

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29 Andares e Alguns ZumbisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora