CAPÍTULO TRÊS

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     Pelo olho mágico da porta de seu apartamento, Lucas verifica uma última vez o que a senhorita Sara está fazendo no corredor. Quando ele parece aliviado eu automaticamente solto o ar que segurava dentro dos pulmões. O simples ato de respirar parecia arriscado demais depois do susto que passamos, principalmente se eu parasse para pensar em todos os filmes de terror que assisti, onde figurantes morriam porque não conseguiam segurar o fôlego dentro do armário. Ainda bem que fui mais sortuda que todos eles.

      — Acho que ela desistiu de nós. — Lucas conclui.

      — Espero que sim.

       Com a certeza de que aquela zumbi louca nos esqueceu, Lucas senta ao meu lado e parece quase relaxado quando as almofadas acomodam suas costas:

      — Já faz tanto tempo que estamos aqui. Por que atacariam só agora? — ele reflete.

       Realmente, penso, durante todo esse tempo não passei por nenhum perigo real. As paredes do meu lar sempre se mostraram uma ótima fortaleza. Por que me atacariam justo agora, que eu estava me acostumando a apenas dormir o dia inteiro, sem me preocupar em ser incomodada? Eu jurava que tínhamos um acordo de paz sustentado no lema de não mexe com quem tá quieto. Era só eu não fazer barulho ou sair no corredor que ficava tudo bem! Eles me deixariam em paz.

      — Não sei — respondo. — Às vezes a comida acabou e eles estão famintos.

      Parece lógico, mas não real. Se eu estiver certa, isso quer dizer que não há mais ninguém no prédio; nenhum corpo vivo ou morto que sirva de almoço para os zumbis mais exigentes. Isso também quer dizer que o mundo realmente acabou, mas não consigo parar de pensar sob um ponto de vista egoísta: os zumbis agora estão caçando por necessidade e eu sou um alvo muito fácil. Não é mais uma questão de pegar o que vier pela frente. Se eles estão famintos, uma sacada não será o suficiente para mantê-los longe de mim. Vi o que fizeram com a minha porta. Do que mais são capazes?

       Como se estivesse lendo os meus pensamentos, Lucas diz:

       — E o buraco na sua porta? Aquilo foi feito com força, como se alguém tivesse quebrado só para entrar. A senhorita Sara não faria isso.

       — Quem garante? — rebato, e ele parece preocupado ao notar que tenho razão.

       Ficamos em silêncios por longos segundos enquanto eu tento me acostumar com o fato de que ouço a respiração de outro ser humano pela primeira vez em meses. É estranho demais sentir a presença de Lucas, o calor do seu corpo tão próximo quando ele apoia os braços nos joelhos e a sua pele roça na minha. Uma coisa tão simples que faz os pelos do meu braço se arrepiarem. É quase como andar em linha reta após ficar muito tempo na garupa de uma moto: estranho, mas familiar.

       Pensando em como o simples encostar de peles me atordoou, lembro de outras coisas e tempos. Se eu estivesse aqui há três meses, antes de tudo começar, uma diversidade de luzes laranjas e brancas transformaria a vista da sacada de Lucas em um cartão postal. Eu não ligaria para elas porque estaria acostumada e atarefada; hoje, depois do fim do mundo, tudo o que vejo através do vidro é medo, desespero e falta de esperança. Sinto saudades das luzes. Assim como sentia falta do toque de outro ser humano.

       — Você deveria ficar — diz Lucas, me fazendo acordar. — Seu apartamento não é seguro.

       Balanço a cabeça. Eu o olho na penumbra e sinto toda a escuridão da sala sobre mim quando respondo:

       — Estou bem. Vou para casa.

      Mas continuo sentada no sofá, com os músculos tão cansados que o mundo poderia cair aos pedaços se eu me movesse. Cada pensamento que atravessa a minha mente é composto pelas dúvidas sobre segurança e socialização. E sobre as luzes da cidade.

29 Andares e Alguns ZumbisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora