Cantarolado

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Dentro de minha cabeça, um grito reverbera. Imagens turvas e confusas passeiam diante de meus olhos, embora estejam fechados. Minhas mãos tremem enquanto suam todo seu incômodo. Ora meu coração dispara, ora aparenta parar. Meu corpo está agitado em demasiado, não obstante nem sequer ouso sair do lugar.

Estou no meu quarto, pelo menos deveria estar. Fui liberada do hospital hoje de manhã. Lembro de ter vindo com minha mãe para a casa. Cheguei a me deitar, mas, sob os efeitos da perturbação, dormir não é uma das coisas mais fáceis.

Com certo esforço, abro os olhos. Tudo ao meu redor gira. Cerro-os novamente, tornando a abri-los. Quietude. Calmaria. Paz.

Levanto-me, cambaleante, e sigo em direção ao banheiro. Minha mente me falha outra vez, assim, a trazer todas as sensações de tormenta de volta à tona. Acelero os meus passos. Abro a porta com toda minha pressa e euforia, assim como ergo a tampa junto a tábua do vaso sanitário. Sem tempo para me agachar, apenas curvo as costas e expulso de meu interior o mal que há mim.

Não com muita força para me manter de pé, ajoelho em frente à privada e encaro o vômito na porcelana branca. Quando minha mão trêmula alcança o botão da descarga e aciona-o, permito-me chorar.

Em cada lágrima a desenhar minhas bochechas, sinto a dor abrigada no interior me deixar. Uma a uma, lavando minha alma. Escorrendo consigo todo o incômodo; as tonturas e dores, até mesmo a queimação na garganta. Tudo se vai. Ao menos, um instante. Agora estou vazia. Sem muita força para protestar, sento-me, estendo o braço sobre a cerâmica do vaso e recosto a cabeça neste. Exausta, fechos os olhos.

Entre minhas escuridão e escassez de pensamentos, um ritmo tolo me embala. Não sou capaz de recordar a letra ou a melodia correta, mas algumas palavras vêm à mente. "...to be sorry", "...the party....", "...tonight". Sem formular frases perfeitas, insisto em murmurar meias sílabas ritmadas.

— Florence! — ouço a voz de minha mãe atravessar a porta encostada do quarto, junto às batidas leves. — Desça para almoçar.

— Só-só um momento. — tento parecer bem.

— Não demore, se não seu pai não poderá comer conosco.

Papai nunca consegue almoçar em família. Seu trabalho lhe consome. Ele é vendedor de carros. E, mesmo que seja o dono da loja, sua carga horária é longa. O celular não para. O tempo inteiro recebe ligações dos funcionários. Mamãe está certa: preciso aproveitar esta exceção.

— O-okay. — suspiro fortemente. — Já estou indo, minha mãe.

— Por que a demora? Você está bem? — engulo em seco, levantando-me às pressas do chão.

— Sim... sim, estou. — minto. — Eu só... estou fazendo cocô. Estarei lá embaixo em cinco minutos.

Eu espero.

Seguro no mármore da pia e observo meu reflexo no espelho. Os olhos negros estão avermelhados, bem como a ponta do nariz. O choro é óbvio. As olheiras costumeiras e profundas nem me incomodam mais. A pele abatida, os lábios ressecados e as falhas no cabelo, no entanto, formam meu terror.

Abro a torneira e pego um bocado d'água. Enxáguo meu rosto, como se só esta banhada pudesse disfarçar o inchaço. Levo um pouco a mais à boca e bochecho-o, a fim de tirar o gosto azedo do vômito. Convencida de que não há nada que eu possa fazer para amenizar a aparência, ponho-me a descer.

Quando chego à copa, vejo meus pais com os pratos já montados. Todos com muita fartura e calorias. As opções à mesa, claramente para mim, são balanceadas e saudáveis. Produtos orgânicos, integrais e carne magra, e tudo sempre com o mesmo tempero: açafrão com pimenta. A almôndega de costume, um macarrão sem graça e o molho de tomate caseiro. Meu favorito do cardápio que a nutricionista me passou; ironicamente, o que não aguento mais comer.

Por Um FioWhere stories live. Discover now