Fevereiro, 2016. IV.

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    Havia algo de muito especial na garagem de Gustavo. Sempre que Melissa entrava lá, sentia a obrigação de prender a respiração e observar cada detalhe daquele lugar que não mudava nunca. Sentia que os companheiros da banda faziam a mesma coisa, pois todos ficavam em um absoluto silêncio quando colocavam o pé – sempre o direito – lá dentro.

    Ali havia começado a maior aventura de cada um deles: participar da banda mais popular da cidade, a Black and Black. Composta por oito pessoas – dois guitarristas, um baixista, um baterista e quatro cantoras – que nunca pensaram que poderiam ter talento com música, a Black and Black não era conhecida pelo mundo todo, nem mesmo pelo país, mas a banda conseguira mudar completamente a vida de Melissa.

    A negra nunca pensara em seu canto como um dom. Gostava de cantar porque a fazia bem, se sentia mais livre de todos os pesos possíveis, mas nunca viu como talento. Quando estava prestes a explodir, ligava o som o mais alto que podia – sem que a deixasse surda, claro – e cantava, dançava ao ritmo da música, extravasava todos os sentimentos que guardara para si por todo aquele tempo.

    Melissa e os outros se acomodaram nos sofás e poltronas espalhados pela garagem enquanto Gustavo e Pedro ligavam os instrumentos às caixas de som e conferiam se tudo estava do jeito que deveria estar. A garagem de Gustavo era realmente grande, principalmente porque o pai do garoto, sempre apressado, nunca deixava o carro lá dentro. O pai de Gustavo era o tipo de pessoa que não sabia esperar nem um portão eletrônico abrir.

***

    Ela ainda se lembrava do dia em que Gustavo enviou uma mensagem desesperada mandando que todos fossem para a garagem urgentemente. Quando Melissa chegou, recebeu um olhar impaciente de Gustavo, que, carregando uma case em um dos ombros, esperava apenas por ela para dar início a sua fala.

    — Tive minha primeira aula de guitarra hoje — anunciou.

    — E como foi? — Alícia perguntou, animada, como sempre.

    — Foi demais! E foi por isso que eu chamei vocês aqui. — Fez uma pausa mais longa do que necessário. — É bom demais para que apenas eu faça isso. Eu nunca me conectei tanto à alguma coisa como estou conectado à música agora, entendem? Eu ficaria muito feliz se vocês conseguissem sentir o mesmo que eu. Talvez pudéssemos criar uma banda!

    — Oi? — Ricardo indagou. — Uma banda? Cara, me desculpa por te deixar na mão dessa vez, mas eu tenho um total de zero por cento quando se trata de talento para música.

    — Você ao menos já tentou? — Gustavo arqueou a sobrancelha, sorrindo de lado em seguida, quando Pedro deu de ombros.

    — Eu gostei da ideia! — Alícia se intrometeu.

    — Meu pai nunca vai comprar um instrumento para mim — Daniel, do outro lado da sala, lamentou.

    — Não precisa comprar um agora. Onde eu estou fazendo aula de guitarra, podemos pegar instrumentos deles emprestados apenas para aquela aula. E eles têm todos os instrumentos que você possa imaginar. E dão aula de todos os instrumentos que tem.

    — Depois, se você gostar, pede de aniversário, seu aniversário está chegando. — Alícia estava tão animada quanto Gustavo. — Se nada der certo, compre com o seu dinheiro.

    Demorou algum tempo para que Gustavo e Alícia conseguissem convencer a todos, mas houve um momento em que todos os meninos já estavam com seus respectivos instrumentos. Os professores sabiam sobre a ideia da banda, então normalmente estavam sempre aprendendo a tocar as mesmas músicas. Aos poucos, iam pequeno o jeito, tomando mais e mais gosto pela coisa. Gustavo, por exemplo, estava sempre com dezenas de partituras em sua mochila. Ricardo passara a virar noites vendo vídeos no YouTube – só não podia colocá-los em prática, pois seus pais sempre estavam dormindo.

    A única pessoa que ainda não havia se encaixado era Melissa. Achava tocar violão a coisa mais linda do mundo, mas, quando foi fazer sua primeira aula, prometeu aos seus dedos calejados que nunca mais faria aquilo.

    Foi durante um ensaio da banda, na garagem de Gustavo, que o negro "descobriu o talento de Melissa", como ele mesmo gostava de gabar-se. Estavam tocando "Rolling in the Deep". Haviam decidido que o solo seria de Alícia, e ela cantava com toda a energia que existia dentro de seu corpo, mas Melissa não estava prestando atenção nela. A negra estava em um lugar muito longe, um lugar só seu. E, de olhos fechados, cantava. Em sua mente, ela cantava tão alto quanto Alícia, mas, na verdade, estava cantando tão baixinho que, com tanto barulho à sua volta, apenas ela conseguia escutar.

    Melissa estava tão distraída que mal percebeu os integrantes parando de cantar e tocar aos poucos. Gustavo havia notado o quão imersa na música a garota estava e, com um gesto simples e discreto, pediu para que todos fossem parando aos poucos.

    No mais absoluto silêncio, a voz de Melissa se fez audível. E Gustavo estava encantado. Mesmo cantando baixinho, mesmo sem aquela explosão que os amigos tanto gostavam, Melissa havia conseguido encantar cada um naquela sala.

    Foi um tanto difícil para os outros convencerem Melissa de que ela realmente tinha talento para cantar. Principalmente porque uma das condições para entrar na banda como cantora era passar pela mãe de Gustavo, dona Lídia, professora de canto bastante respeitada na cidade. Alícia fora reprovada três vezes. Apenas na quarta "audição", dona Lídia exibiu sua famosa piscadinha.

    Melissa não sabia lidar com um "você não é boa o suficiente". Não era orgulho, não se achava superior a ninguém, e muito menos acreditava que estaria sempre preparada para tudo. O problema de Melissa era sua baixa autoestima. Ainda na pré-adolescência, sofrera com tantas piadas sobre sua cor, sobre as gordurinhas a mais – que ainda tinha na época, mas que acabou perdendo com o crescimento repentino ao longo dos anos – e mais mil e um motivos, que, antes de enfrentar um obstáculo, gostava sempre de ter certeza de que estava preparada. E não estava preparada para enfrentar um "não" de dona Lídia.

    Quando finalmente tomou coragem, saiu da casa de Gustavo com um sorriso de orelha à orelha. Havia recebido a piscadinha de primeira.

    — Arrependida de não ter feito a audição antes? — Gustavo provocou. — Eu disse que você era boa o suficiente para ganhar a piscadinha.

    A negra apenas concordou, pois estava feliz demais para entrar em uma discussão com Gustavo. Mas, não, não estava arrependida de "ter demorado tanto". Passara dias e dias ensaiando "Rolling in the Deep" – sugestão de Gustavo, é claro – na frente do espelho. E só procurou o garoto quando teve certeza de que conseguiria.

    Estava confiante e sabia que o rosto cético de dona Lídia não a abalaria.

    E não a abalou.

***

    — Terra chamando Melissa! — Pedro balançou a mão na frente do rosto da negra, tentando chamar sua atenção.

    Os instrumentos e microfones já estavam ligados às caixas de som. As meninas já estavam em suas posições, atrás do microfone principal. Melissa deduziu que a primeira música seria cantada por ela.

    — Vamos começar por "Rolling in the Deep" — Gustavo informou.

    Melissa deixou que um sorriso fraco formasse em seu rosto. Alongou o pescoço, deu um passo para frente, a fim de ficar mais próxima do microfone. Apoiou as mãos no mesmo, fechou os olhos e, sentindo a música tomar conta de sua mente, começou a cantar.

Clube dos 7 Erros [HIATUS]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora