A notícia

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Os dias se passaram em meio aos medicamentos e agulhadas. Ver meu pai e minha mãe abrirem a porta do quarto foi no mínimo uma surpresa para mim. Eu realmente deveria estar muito mal. Mas aquele exato momento, mesmo ambos sem sorrirem como era de costume, me fez acreditar na possibilidade de vê-los novamente juntos. E eu juro, sacrificaria minha vida para vê-los felizes e apaixonados como eram...

Papai costumava sempre dar flores de presente pra mamãe, pelo menos uma vez no mês o entregador buzinava com uma encomenda, sempre suas flores prediletas. Margaridas, girassóis e as violetas, inúmeras e de todas as cores. Nossa casa parecia um imenso jardim. Todas eram plantadas e cuidadas por ela com tanta alegria. Ela adorava, era como se cada vez que recebesse um arranjo, fosse o primeiro. Eles eram tão apaixonados, tinham tanta luz... De repente todas as flores secaram...O que aconteceu? Por que tudo mudou? 

Eu sonhava tanto em um dia me casar e ter todo esse encanto que eles tinham, todo esse amor. Mas inacreditavelmente tudo mudou. E eu só queria entender os motivos disso ter acontecido.

— Boa tarde minha bela adormecida, fiquei sabendo que a senhora agora só quer dormir!

Sorri tentando ajeitar os cabelos desalinhados.

— Bom te ver papai. Aliás bom vê-los juntos, nem no meu último aniversário tive o privilégio desse presente.

— Como se sente meu amor? — perguntou mamãe querendo desconversar.

— Estou bem... Estou me sentindo melhor... Eu acho.

Olhares tensos revelavam que tinham algo pra me contar.

— O que vocês tem pra me dizer é muito sério, não é?

Papai aproximou-se quase encostando em mamãe e ela não se afastou, pelo contrário, tive quase certeza de que ela esticara um pouco mais o braço como se buscasse seu toque, antes de começar a falar:

— Ana, eu chamei o seu pai porque precisamos te dar duas notícias. Eu sei que você ainda está se recuperando e está tudo muito confuso em sua cabeça, mas precisamos correr contra o tempo minha filha. Estamos fazendo tudo que podemos pra que você fique bem... Enquanto você estava dormindo, muitos exames foram feitos e descobriu-se que você sofre de uma doença muito séria. Todos os sintomas, a fraqueza que você vinha sentindo, as náuseas, as infecções,  as dores de cabeça. Eram todos sintomas de uma doença... 

Mamãe exitou, mas eu busquei seu olhar como quem diz: "Tudo bem, eu aguento". E ela então concluiu:

— Você tem leucemia. É crucial que você comece o tratamento o mais rápido possível. Eu sinto muito... Eu não queria que nada disso estivesse acontecendo. E eu não tenho como pagar o seu tratamento, as medicações, internações. Não sabemos quanto tempo se levará até você se curar. Eu preciso que você me entenda...

Meu olhar se perdia em tantas informações. Eu sabia o que era leucemia, mas não sabia o quão grave era ou poderia ser.

Então eu não estava gripada, não era minha forma errada de alimentar-me. Era uma doença. Uma doença chamada leucemia. 

Meu pai apertou minha mão e saber que eu não estava sozinha, que mesmo separados os dois estavam ali, ao meu lado naquele momento me deu uma certa alegria. Era como antigamente, nós três juntos. O que eu não poderia imaginar é que a segunda parte da conversa destruiria tudo aquilo que eu  acabara de construir.

— Anamabile eu preciso muito que você entenda... Que tudo que for feito daqui pra frente,é em nome do seu tratamento. Eu acredito que você possa se curar e eu vou fazer tudo que estiver ao meu alcance. Mas, precisaremos voltar para o Brasil, minha filha.

Eu senti a cabeça rodar; Voltar para o Brasil, eu não conseguia raciocinar. Não conseguia entender por que voltar ao Brasil, depois de tantos anos. Queria fazer muitas perguntas, mas somente consegui balbuciar:

— Por quê?

Mamãe me abraçou e logo as lágrimas começaram a rolar pela face cansada e abatida. Papai nos abraçou num gesto carinhoso e como foi bom aquele abraço... Como gostaria de nunca mais ter que sair dali... Daquele abraço. Era como encontrar uma boia em pleno naufrágio. Como abrir os olhos depois de um pesadelo terrível e vê-los em minha cama. Me protegendo...

Eu não sabia o que seria de mim... Dizer adeus aos meus amigos... Ao meu pai... Ir para o Brasil, não que eu tivesse algo contra morar lá, sempre achei que um dia voltaríamos. Mas não dessa maneira, não agora, não sem o meu pai e muito menos não doente.

Eu não tinha opção, adoecer  aqui não é nada bom, principalmente pra quem veio de fora. Sacrificar meus pais a custearem todo esse tratamento que nem sabemos ao certo se surtirá algum efeito, não seria justo.

Minha tia Lisa trabalha em um hospital que é referência no tratamento de câncer, talvez isso desse mais segurança a minha mãe.

Estar naquele abraço era algo tão bom... Sentir o amor das pessoas mais importantes na minha vida era como o melhor medicamento que eu pudesse tomar. Esse abraço era tão bom, que eu enfrentaria tudo. Enfrentaria qualquer tempestade que estivesse prestes a desabar na minha vida... Enfrentaria toda fúria de uma doença... Enfrentaria toda dor... Enfrentaria tudo!

 Até mesmo a morte!


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