Capítulo 4

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Pax sentia fome e frio, mas o que o despertou foi a necessidade de abrigo. Piscouuma vez e recuou um pouco. Ao contrário do que imaginara, o que havia atrásnão eram as barras firmes do seu cercado, pois cedeu facilmente, com estalossecos. Quando se virou, deparou-se com o canteiro de asclépias secas onde haviase aninhado algumas horas antes.Gritou por Peter, mas então lembrou: seu menino tinha ido embora.Pax não estava acostumado a ficar sozinho. Tinha nascido em uma ninhada dequatro, mas o pai desapareceu antes de os filhotes sequer conhecerem o cheirodele, e, certa manhã pouco depois disso, a mãe não voltou para casa. Um a um,os irmãos e a irmã morreram, de modo que restou apenas o coração dele a baterno abrigo frio até o menino Peter pegá-lo.Desde então, sempre que seu menino ia embora, Pax vagueava pelo cercadoaté ele voltar. E toda noite chorava para entrar na casa, onde podia ouvir seuhumano respirando.Pax amava seu menino, mas, acima disso, sentia-se responsável por ele.Tinha o dever de protegê-lo. Quando não podia cumprir esse papel, a raposasofria.Pax se sacudiu para se livrar da chuva que encharcara suas costas à noite eseguiu para a estrada sem nem alongar os músculos doloridos, tentando, a todocusto, encontrar o rastro do cheiro do seu menino.Não conseguiu; os ventos noturnos tinham varrido completamente os rastros.Porém, entre as centenas de odores que subiam na brisa do amanhecer,encontrou uma coisa que lembrava a ele seu menino: bolotas. Peter semprepegava punhados de bolotas para jogar nas costas de Pax, rindo ao vê-lo sesacudir para se livrar delas e depois quebrá-las para pegar a noz. O aromafamiliar o atingiu como uma promessa, e Pax correu naquela direção.As bolotas estavam espalhadas na base de um carvalho derrubado por umraio, não muito longe de onde vira seu menino pela última vez. Ele esmagoualgumas, mas só encontrou nozes murchas e mofadas. Então se instalou em cimado tronco caído, os ouvidos atentos para qualquer som que viesse da estrada.Enquanto esperava, Pax se lambeu até o pelo ficar seco e limpo, encontrandoconforto no cheiro de Peter que permanecia ali. Em seguida, voltou sua atençãopara as patas dianteiras, limpando com cuidado os muitos cortes nasalmofadinhas.Sempre que estava ansioso, Pax cavava o chão do cercado. Sempremachucava as patas no concreto áspero, mas não conseguia se controlar. Nasemana anterior, tinha feito isso quase todos os dias.Depois que terminou de limpar as patas, encolheu-as embaixo do peito paraesperar. Os ruídos da primavera ressoavam na manhã. Tinham assustado Paxdurante a longa noite, a movimentação dos animais noturnos fazendo a escuridãoganhar vida, e até o som das árvores — folhas se abrindo, seiva correndo pormadeira nova, os pequenos estalos de troncos se expandindo — o assustou váriasvezes enquanto ele esperava seu menino voltar. Só quando o amanhecercomeçou a tingir o céu de prata é que Pax finalmente caiu no sono, aindaassustado.Naquele momento, no entanto, os mesmos sons o chamavam. Mil vezes elequase se levantou para investigar os ruídos que atiçavam suas orelhas sensíveis,mas todas as vezes se lembrava do seu menino e se detinha. Os humanos tinhamboa memória, eles voltariam àquele local. O problema era que dependiamunicamente da visão — os outros sentidos deles eram muito fracos —, então, senão o vissem quando voltassem, talvez fossem embora de novo. Pax estavadecidido a não se afastar da estrada e a resistir às tentações, inclusive ao forteimpulso de seguir na direção que seu instinto lhe dizia que o levaria de volta paracasa. Ele ia ficar ali até seu menino aparecer para buscá-lo.Um abutre cruzava o céu. Um caçador preguiçoso, procurando a forma inertede alguma carniça. Ao avistar a raposa de pelo vermelho, que, apesar de imóvel,não exalava nenhum indício de decomposição, voou mais baixo para investigar.Pax entrou em um alerta instintivo ao notar o movimento da sombra emforma de V. Desceu do tronco de um pulo e começou a cavar a terra.O chão respondeu com um ruído surdo, como um coração a rosnar. Pax seesticou para o alto, já alheio ao perigo que vinha do céu. Da última vez que viraseu menino, sentira vibrações semelhantes, naquela mesma estrada. Ele saiu emdisparada pelo acostamento até o ponto exato onde seus humanos o haviamdeixado.As vibrações viraram um rugido. Pax se ergueu nas patas traseiras para que ovissem, mas o barulho não vinha do carro do seu menino. Na verdade, não vinhade um carro. Quando viu o que era, a raposa teve a impressão de que aquilo eratão grande quanto a casa em que seus humanos moravam.O caminhão era verde. Não o verde vivo das árvores ao redor, mas um verdeopaco, a cor que a morte devia usar quando tomava para si aquelas árvores. Omesmo verde opaco do soldadinho de brinquedo que a raposa resgatara entre asasclépias. Fedia a diesel e ao mesmo cheiro de metal queimado que tinha seimpregnado na roupa nova do pai do menino. O caminhão passou veloz,levantando uma nuvem de poeira e pedrinhas. Um outro caminhão passou emseguida, e mais outro.Pax se afastou da estrada. O abutre voou para longe com um único bater deasas.


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