Draven

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Draven, um grande corvo tasmanicus, voava calmamente sobre a ilha, observava os seus companheiros que se deslocavam vagarosamente levando consigo os baús com os tesouros respeitantes ao último saque.

O areal memorizava os passos profundos dados a peso pelos piratas que carregavam as suas novas fortunas, os olhos de Draven cintilavam ao observar o tesouro exposto nos baús semiabertos. Continuou a seguir os seus companheiros, enquanto estes se embrenhavam praia adentro em direção à floresta que servia de esconderijo dos piratas e de refúgio para todo o seu tesouro conquistado ao longo dos anos. Vista do alto a floresta passava despercebida, mas no seu interior, estranhos complexos com grutas subterrâneas e túneis que as ligavam entre si, havendo entre elas vários pontos por onde poderiam ser acedidas. No entanto nem todos lá conseguiam entrar pois as várias armadilhas colocadas, afastavam quaisquer curiosos que por ali se aventuravam e impediam que outros piratas os saqueassem.

Draven mergulhou por entre palmeiras e estranhas árvores que não conhecia o nome indo pousar sobre duas tábuas que espreitavam à entrada de uma gruta. Os piratas pousaram os baús e acenderam uma tocha que encostaram a uma das paredes da gruta que espalhou todo o fogo e toda a luz pelo seu interior através de pequenas incisões e concavidades laterais que estavam carregadas de petróleo que ardia vagarosamente dando a luz necessária para que os piratas pudessem percorrer toda a sua extensão agora iluminada.

Draven viu passar, um por um os seus companheiros, que cambaleavam tanto pelo peso dos baús como pelo passo descoordenado do colega que partilhava aquele cargo consigo. Por fim quando todos passaram por si, Draven voou direito ao chão apanhando uma pequena peça brilhante que tinha caído de um dos baús saltitantes. Draven passou por entre árvores e viu-se novamente sobre a extensa floresta abaixo de si, voou demorada e contemplativamente sobre o verde que se estendia abaixo das suas asas. Dirigiu-se para uma parede de rocha que encimava um pequeno monte no centro da floresta, acercou-se desta e circundou-a enquanto descia a pouco e pouco a distância entre si e o pico da rocha. Ao aterrar, saltitou por entre esta e entrou por uma pequena fenda onde tal como os piratas tinha refugiado o seu tesouro. A pequena concavidade na rocha brilhava fugazmente, refletindo no tesouro do corvo a pouca luz que ali chegava de um sol a pôr-se ao fundo no horizonte. Draven pousou a sua nova peça e examinou as restantes, feliz pelo seu tesouro capaz de fazer inveja a qualquer princesa ou infanta mais rica do reino ainda lhe pertencer e que nada lhe faltava, crocitou alegremente. Após uma nova inspeção às peças e de as arrumar novamente em diferentes locais, dirigiu-se à saída onde contemplou a floresta, a praia e o mar. Saltou da rocha e voou em direção ao mar e às águas pouco profundas e cristalinas que emitiam pequenas ondas de uma maré que vazava e acariciava com suavidade a areia de uma praia deserta.

Draven observou a praia e vendo que os botes dos seus companheiros já lá não estavam, rumou em direção à embarcação de grande porte que o esperava atracada em ondas mais constantes e fortes do que as que se faziam sentir na praia de areia branca de há pouco.

Do alto, o corvo vislumbrou que ele e os seus companheiros não estavam sós. Ao longe, figuras irrompiam ao ocaso daquele dia revelando serem quatro imponentes galés hasteando a bandeira da realeza, apartando o mar em seu redor a grande velocidade, qual predador que ataca de surpresa. Com uma coordenação invejável, transparecendo uma manobra repetida por incontáveis vezes, dispuseram-se em círculo, rodeando os seus inimigos, agregando-se umas às outras com correntes. No meio, estava o Mancha Negra que tão bem conhecia. Um barco todo ele negro, o que lhe permitia ocultar-se na noite tornando-o um inimigo temível, capaz de voar no mar e cruzar os oceanos a uma velocidade inexplicável. A sua proa era caracterizada por uma cabeça de corvo ricamente detalhada quando fora esculpida, tornando assim o navio mais imponente.

Do cesto da gávea, o vigia esbracejava freneticamente para os companheiros que se encontravam na ilha, tentando desesperadamente que estes elaborassem um plano de fuga, mas já nada havia a fazer, a cilada tinha sido ardilosamente montada e executada na perfeição.

O semblante enrijecido por anos de serviço militar dos seus captores não deixava margem para dúvidas, a derrota tinha chegado. Os soldados encabeçavam as grossas e ameaçadoras tubuladuras negras que sobressaiam, empunhando as tochas prontas a acender os enormes pavios caso fosse necessário.

Canhões, percebeu.

Também a bordo a inquietação se fez sentir. O seu capitão ladrava desesperadamente ordens aos tripulantes empunhando a sua arma de eleição, a maça de estrela, uma espécie de um martelo que culmina com uma bola de espinhos na ponta, qual diretor de uma orquestra; que de imediato corriam para os seus postos - Vá lá! Mexam-se suas lesmas do mar! Aos vossos postos! Estamos a ser atacados pelos bastardos da realeza! Não podemos deixar que...

De repente como que prevendo uma retaliação dos piratas e interrompendo as suas ordens, o comandante do navio da guarda real ordenou um tiro de aviso que acertou a milímetros do barco das suas presas. O som produzido foi ensurdecedor, ficando a zumbir nos seus ouvidos, esclarecendo que não iriam permitir tempo para contra-atacar.

Finalmente foi encontrado um ponto fraco, não se perde de vista uma embarcação que não consegue fugir.

Perante o cenário da derrota, o capitão deixou pender os ombros, rangendo os dentes assombrado pelo sentimento de revolta para logo a seguir se deixar ficar, esperando para conhecer a sua sorte. O desalento contagiou os restantes tripulantes do barco, que rapidamente se aproximaram do seu líder partilhando a sua dor.

Entre a tripulação um deles ousou cortar o silêncio - Nada temos a recear, não temos nada ilícito neste barco, está tudo bem escondido na ilha e mesmo que procurem por toda a parte, nada encontrarão.

Perante estas palavras os restantes anuíram, acendendo-se nos seus olhos uma réstia de esperança, gerando uma murmurinho de palavras otimistas.

Observando o momento de alívio, um dos piratas, um homem não muito alto, mas esguio, de pele morena, característica de quem passou grande parte da vida em alto mar deitou por terra a festa - O objetivo deles não era a nossa carga, eramos nós!

Olhando nos olhos do capitão, percebeu que estavam ambos de acordo.

Sem nada mais para observar, Draven desceu dos céus e foi pousar no ombro esquerdo deste homem.

Do outro lado, o comandante da guarda real atentava os seus inimigos. Certificando-se que não seria necessário disparar e da rendição dos seus inimigos, chamou um dos guardas sem desviar o olhar do cenário à sua frente - Soldado, façam chegar os nossos barcos ao pé deles e estendam as pranchas para que eles possam passar para o nosso barco e possamos amarrá-los, mas primeiro capturem os que estão nos botes. Temos de nos despachar, Sua Majestade aguarda ansiosamente o nosso regresso.

- Sim meu comandante! - respondeu o guarda, prontamente informando os seus camaradas das ordens que acabara de receber.

Um por um, os piratas passaram para os vários barcos, sendo amarrados e enviados para jaulas no porão, onde fariam a sua viagem rumo a Thronos, a cidade do Rei. Depois de encarcerados os prisioneiros, alguns soldados subiram a bordo do Mancha Negra levando-o também para o seu destino.

Landerth: A Herança da Árvore NegraWhere stories live. Discover now