Vinte e Quatro

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- Amanhã?

- Não, senhor, só na próxima semana.

- Olha... – Lars suspirou – Nós viemos de Wolverhampton, será que você não consegue conversar com ele, e explicar a situação? Podemos pagar a consulta...

- Eu posso ver o que consigo, mas vocês vão ter que esperar... – O secretário disse, sem muita gentileza – Se algum paciente desmarcar ou se houver tempo suficiente entre um atendimento e outro... Eu vejo se ele atende vocês.

- Ok, muito obrigado. – Lars agradeceu.

- Qual o nome do seu irmão? – Caleb notou que a pergunta havia sido direcionada à ele.

- Henry. Henry O'Malley.


  Sentaram-se lado a lado na sala de espera. Assistiram em silêncio enquanto pacientes chegavam e iam embora, ouviram conversas paralelas e observaram o filme que estava passando na TV muda. Vez ou outra Lars se levantava para buscar água, ou café. Comeram alguns dos biscoitos de nata quando a fome começou a incomodar.

Havia passado do meio dia quando, do outro lado do balcão, perceberam o secretário conversar num tom inaudível com outro homem. Ele não usava jaleco ou um crachá de identificação, mas Caleb soube imediatamente quem era. Não só pela obviedade da situação, mas porque já o tinha visto antes, se lembrou.

Caleb já estava imaginando o homem acenar com a cabeça em resposta ao secretário e sair pela porta, deixando para o funcionário a tarefa de dizer que ele não poderia atendê-los. Ao invés disso, o médico se acercou e, cordialmente, estendeu sua mão para Lars primeiro.


- Boa tarde... – Disse, num tom baixo – Quem de vocês é o Caleb?

- Sou eu. – Caleb se identificou, enquanto retribuía o aperto de mão. O homem forçou um sorriso breve.

- E você é?

- Lars, amigo da família. – Adiantou-se o outro, enfiando as mãos no bolso do casaco.

- Caleb, Lars, eu tenho uma urgência para resolver no hospital psiquiátrico agora, mas eu estarei aqui por volta das duas... – Ele explicou, dando uma olhadela em seu relógio de pulso – Se puderem esperar, irei atendê-los.

- Ok. – Caleb concordou primeiro – Nós estaremos aqui.

- Muito bem... Nos falamos em breve, então. – O médico acenou em despedida, e deu mais uma olhada no rosto de Caleb, como se tentasse se recordar de algo nele.

- E aí, o que acha de irmos almoçar? Tem um McDonald's na esquina.


 "Seu menino mais novo... Ele não faz nenhum tipo de tratamento?"
, Caleb recordou, e aos poucos reconstruiu a cena. Henry e o pai sentados em poltronas paralelas, em frente à mesa do médico. Caleb sozinho em uma mesa para crianças, ainda pintando na folha que havia ganhado para brincar. "Não, ele está bem".

Mas Caleb não estava bem.

Com seis anos, quase não se comunicava com qualquer pessoa para além de Georgia, sua babá. Ainda chupava chupeta e às vezes choramingava até conseguir uma mamadeira de leite quente. Precisava de ajuda para tomar banho, e só pegava no sono depois de ser ninado, assim como um recém-nascido. Na escola, chorava do momento em que chegava, até o momento em que ia para casa. Não fazia grandes escândalos, não protestava ou tentava se rebelar, mas os professores podiam notar seus olhos sempre encharcados e as gotas que pingavam incessantes em seu caderno.

As reclamações chegavam, e junto delas as ameaças de Samuel. Se Caleb não se comportasse, Georgia seria demitida e eles nunca mais se veriam outra vez. Sua adorada Gigi, a figura mais próxima que Caleb tivera de uma mãe, com seus olhos sempre preocupados e atenciosos, com sua confiança de que ele, em algum momento, conseguiria se desenvolver. Gigi, ainda hoje, fora uma dentre as poucas pessoas que acreditaram em Caleb. Oh, e Deus sabe o quanto Caleb precisava de alguém que apostasse nele, porque na maioria dos dias ele próprio sentia que seus passos sempre tão débeis não o levariam a lugar algum.

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