Cinco

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Olivia não costumava ser o tipo de pessoa que se assusta facilmente. E não por ser corajosa, pois não era. Mas por ter consigo aquela impressão, perigosamente ingênua, de que estava longe de ser parte de uma tragédia. Talvez por ter vivenciado pouquíssimas situações de risco, ou por ter sido criada em uma paróquia civil, cercada de rostos conhecidos, onde a maior desventura da qual se lembrava era o sequestro de sua colega de classe, quando ela própria tinha apenas 12 anos. Blue, como se chamava a menina, havia sido encontrado com vida no mesmo dia, deixada em uma vala na saída da cidade.

O jornalismo, desde muito cedo, havia acrescentado um número expressivo de catástrofes na vida de Olivia. Durante seu estágio, diversas vezes se viu obrigada a entrar em contato com casos que a deixavam sem dormir por dias – desde os assaltos mais mal sucedidos, até homicídios apavorantes.

Houve até uma vez em que conseguiu entrevistar um legista, acusado de ter tido relações sexuais com pelo menos 60 cadáveres antes de ser descoberto. Olivia vomitou na calçada do presídio, e por um tempo só dormia se estivesse usando seus fones de ouvido – a música calava a voz indiferente do homem, que a perturbava dia e noite, repetindo a mesma história.

Apesar de todas essas experiências, e de ter sido impelida a reconhecer que tragédias de verdade não se restringem apenas à tela da TV, Olivia não se lembrava de situações em que havia se sentido verdadeiramente ameaçada, direta ou indiretamente – a menos que levasse em consideração o bullying que sofria no ensino fundamental, e que ela havia escolhido esquecer.

Não temia por si mesma.

E talvez por isso Lars parecesse o tempo todo mais preocupado do que ela durante sua ligação, naquela manhã. Determinado, tentou convencê-la a procurar pelo detetive responsável pelo caso antes de ir para a redação, mas tudo o que conseguiu foi que ela aceitasse se encontrar com ele após o expediente, para conversarem pessoalmente sobre o ocorrido.


Desatenta, Olivia rabiscava seu bloco de notas durante a reunião de pauta. Havia anotado, em tópico pouco compreensíveis, alguns dos assuntos citados e discutidos pelos colegas de trabalho, mas ao fim, quando todos começaram a se dispersar, ela se deu conta de que não fazia a menor ideia do que havia ficado estabelecido.

Notou, ao invés disso, que entre traços e palavras soltas, havia o nome de Yvonne. Ela não se lembrava de tê-lo escrito, mas não encarou como qualquer tipo de intuição ou algo místico, se quer estava surpresa. Aquela combinação de letras não parava de rondar seus pensamentos em todos os últimos dias, especialmente agora, depois de descobrir que Lars não era o responsável pelas flores da sorte – talvez má-sorte, Olivia considerou.


- Hey, Oli, você está bem? – Amber verificou, cuidadosa.

- Sim! – Olivia respondeu, e chacoalhou brevemente a cabeça, como se quisesse expulsara si mesma do desassossego momentâneo.

- Tem algo que possamos ir adiantando? – E notou, logo em seguida, que Olivia não sabia – Tem certeza de que está tudo bem? Você parece fora do ar.

- Estou de ressaca... – Murmurou, em tom de confissão, apoiando a testa na palma da mão, como se não quisesse deixar espaço para que Amber desconfiasse do que dizia. Não era mentira, mas estava longe de ser toda a verdade – Eu vou me informar com Tate a respeito da pauta...

- Relaxa, Oli... – Amber aconselhou, se levantando – Eu vou falar com ele. Por que não toma um café? Talvez ajude.


Olivia observou, com certo deleite, o embaçar imediato das lentes de seus óculos de grau em contato com o vapor do café. Por um instante, fingiu que não estava ali. Como se o fato de não enxergar nitidamente, fizesse com que também deixasse de ser vista. Um hábito que trazia desde a infância. Quando se via em situações tempestuosas, Olivia tirava os óculos e fugia pra dentro de si, onde, em suas fantasias era inatingível.

Segredos InabitáveisOnde as histórias ganham vida. Descobre agora