Sete

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- Minha pin-up favorita! – Kacey disse. Sua voz no telefone soava ainda mais mansa do que pessoalmente.
- Kay! Como você está? – Olivia perguntou, olhando desatenta para o ovo no centro da frigideira, a clara borbulhando preguiçosamente.
- Estou bem, sentindo falta da minha melhor amiga, como sempre! – Kacey disparou, acusatória, mas bem humorada. Olivia apoiou o celular entre o ombro e o rosto enquanto colocava, cuidadosamente, o ovo frito em sua torrada – Tudo pronto para o sábado? Você tem certeza de que não vai ter problemas com sua colega de apartamento?
- Não, nenhum problema, Kay, já conversei com Gracie, ela está animada pra conhecer vocês... – Olivia deu uma rápida olhadela para a colega, que sorriu, embora não tivesse desviado os olhos da cafeteira.
- Ah, ótimo, então! Tem notícias de Joss e Adam?
- Joss não me atendeu, mas Adam disse que ela tinha ido para um retiro Budista esse fim de semana... – Olivia explicou, e fez um gesto com a cabeça para agradecer a caneca de café que Gracie lhe estendia – Ele me garantiu que iria entrar em contato com ela antes do próximo sábado.
- Ok! Eu ia te perguntar sobre as novidades, sobre o tatuador-sem-nome, e sobre o tal Lars Bizarro Cole, mas eu realmente mal posso esperar para falar sobre tudo isso pessoalmente, como nos velhos tempos. – Olivia riu e compartilhou do entusiasmo da amiga, seu cérebro saudoso inventando cenas deles quatro espalhados por seu quarto, bêbados e histéricos sobre as novidades um do outro.
- Bem, tem algo que eu preciso te contar, mas então talvez eu deva esperar até o próximo fim de semana... – Olivia provocou, e ouviu Kacey grunhir do outro lado, como se tivesse travado uma batalha contra a própria curiosidade.
- Me conte um pouquinho... – Pediu, sua voz baixinha e rendida arrancou uma gargalhada da outra.
- Conheci um cara... – Tentou seu melhor para soar casual, mas sabia o que estava por vir.
- Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Não acredito! Me conte. Me conte tudo! – Kacey vibrou, sua voz, sempre tão tranquila, de repente dominada de entusiasmo.
- Não era só um pouquinho? – Olivia brincou, mordendo a ponta de sua fatia de bacon.
- Olivia! – Kacey protestou – Eu não ouço isso sair da sua boca há muito tempo, não me faça esperar mais uma semana!
- Ok, ok... O nome dele é Henry, ele é dono e chef de cozinha de um bistrô que abriu no centro... – Olivia contou enquanto tentava não observar Gracie devorar seu café da manhã, o próprio estômago reclamando de fome – É basicamente tudo o que eu sei sobre ele, pra ser sincera. No começo do mês fomos até lá, eu e duas amigas, foi quando eu o conheci... Ontem estivemos lá mais uma vez, e bem... Ele me chamou para sair hoje.
- E você aceitou? – Kacey não fez questão de esconder sua surpresa, tampouco disfarçou seu deleite.
- Oh, bem... Sim.
- Eu não acredito! É a melhor notícia de Fevereiro, e Fevereiro nem começou! – A outra exclamou, fazendo menção ao hábito tolo que tinham desde que se conheceram, de selecionar a melhor notícia de cada mês quando ele já estava por finalizar – Ele é bonito?
- Hm... É.
- Ok, agora estou preocupada... – Kacey debochou, e Olivia riu divertidamente do outro lado, espetando a gema de seu ovo e deixando que ela desmoronasse sobre a torrada.
- É seu tipo de homem bonito. – Olivia esclareceu.
- Estou ainda mais preocupada... Há quanto tempo você não transa? Só pode ser carência... – Olivia foi embalada pela risada da amiga – Falando sério...
- Ora, pesquise você mesma na internet, Kay, ele saiu em uma matéria do S&E, o nome dele é Henry O'Malley.
- A jornalista é você, meu bem, não vou stalkear seu affair.
- Ok, então você vai precisar acreditar em mim... – Olivia ouviu Kacey rir com zombaria – Idiota! Kay, eu preciso desligar. Se meu ovo esfriar mais um pouco, eu vou começar a ter ânsia.
- Ew! Ok! Bom apetite, e me prometa que vai mandar pelo menos uma mensagem contando sobre o encontro!
- Prometo.


Olivia teve vontade de despejar o resto de seu café da manhã no lixo tão logo provou a primeira garfada. Forçou-se a comer uma porção ou outra antes de preparar uma nova xícara de café antes de sair para comprar o jornal. Voltou da banca com uma edição do Wolftown News e uma do S&E. Com uma caneca de chá quente, enfiou-se em seu escritório.
Depois de uma rápida olhadela no jornal para o qual trabalhava, se dedicou ao da concorrência, reprimindo o desejo de retomar o velho hábito de fazer uma tabela, onde dava notas para cada item de ambos os jornais – manchete, fotografia, texto, tirinha, etc –, depois comparava para ver onde ainda precisavam melhorar, ainda que soubesse: no fim só servia como uma tortura pessoal.
Abandonando ambos os jornais, ligou o rádio e aumentou o volume, o suficiente para que conseguisse ouvir a música desde seu quarto, no fim do corredor. Com as portas do armário abertas, passou seus olhos lentamente pelas roupas dentro dele. Algumas penduradas, algumas dobradas, outras emboladas em um canto.
Olivia sempre teve uma relação peculiar com a vaidade. Desde que se lembrava, Emma era quem se preocupava com aparência. A própria, e também a de Olivia. Seu lado do guarda-roupa era onde se concentrava a maior parte das peças, e a penteadeira dela era a que estava sempre abarrotada maquiagens, esmaltes e acessórios brilhantes.
Até certa idade, a mais velha fazia da caçula sua boneca. Emma passava horas penteando os longos cabelos de Olivia, prendendo-os com presilhas coloridas, ou enfeitando-os com tiaras de laços enormes. Gostavam de colocar os saltos da mãe e, escondidas no quarto, fingirem que eram famosas.
Com o tempo, Olivia não deixava mais que a irmã escolhesse o que pôr em seu cabelo, ou a cor de seu batom. Mais tarde, Emma era quem se recusava a emprestar qualquer um de seus acessórios. Depreciava e debochava da aparência desleixada da irmã, seus coques e tranças, o desinteresse por maquiagens e manicures.
Olivia se importou a princípio. Repicou os cabelos, mesmo que gostasse do corte anterior. Se forçava a secá-los depois do banho, ainda que isso significasse ficar presa em frente ao espelho por uma hora. Usava lápis de olho, e até roubou um batom cor-de-rosa da irmã.
Com o avançar dos anos, e a mudança de Emma para os Estados Unidos, Olivia viu-se capaz de adotar hábitos com os quais se identificava. Gostava de fazer as unhas, e ia com frequência ao salão para manter o corte de cabelo que decidiu aderir. Desistiu das maquiagens elaboradas, mas comprou seu primeiro batom vermelho. Continuou, porém, inventando desculpas para não ir às compras, e mantendo-se longe dos saltos sempre que possível.
Passou, como a grande maioria dos adolescentes, por variações de estilo durante um tempo. Jeans surrado e Chuck Taylor em um dia, saia floral e sapatilhas no outro. Dependia do humor, do clima, de onde ia, do que tinha limpo em seu guarda-roupa. Nunca chegou a se importar verdadeiramente com essas mudanças, tampouco se forçou a uma metamorfose definitiva. Ela se quer tinha certeza, agora adulta, de que isso havia acontecido.
Seu guarda-roupa era menos heterogêneo, suas peças de roupa não destoavam tanto umas das outras, seguindo um mesmo estilo, que Kacey chamava de "clássico". Mas devia ter, em algum lugar, um tubinho preto da época da faculdade, e uma camiseta customizada dos The Smiths noutro canto.

Segredos InabitáveisWhere stories live. Discover now