Doze

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05 de Abril de 2016. A primeira terça-feira do mês.

Fazia frio. Mas não era o dia mais frio dentre os últimos. Também não era o mais quente. 43 Graus Fahrenheit, equivalente à 6 Graus Celsius. Não houve sol pela manhã, Wolverhampton, e todo o condado de West Midlands, foi banhado por pancadas repentinas e passageiras de chuva, como vinha acontecendo nas duas últimas semanas.

Olivia acordou por volta das dez e meia. Era seu segundo dia de férias, e havia se rendido ao prazer de desativar seu despertador. Estava tarde demais para o café da manhã, cedo demais para o almoço. Desfrutou do calor de uma xícara de chá antes de desistir de sair e comprar o jornal. Permitiu-se o desinteresse pelas notícias, fossem elas do Wolftown News e do E&S.

Assim como no dia anterior, preparou um almoço rápido. Havia decidido que iria comer melhor durante as férias, mas adiou até quarta-feira. Quem sabe até deixasse Emma persuadi-la a caminhadas por algum parque bonito da Califórnia. Ao lembrar-se de Emma, enviou uma mensagem à irmã, avisando que pegaria um táxi até o aeroporto de Manchester por volta das quatro da tarde, para embarcar às oito. Se não houvessem atrasos, estaria pousando nos Estados Unidos às sete da manhã.


 Era a pior pessoa que conhecia quando se tratava de organizar malas, então revisitou a sua mais uma vez antes de decidir fechá-la definitivamente. Tomou um longo banho e uma grande xícara de chá, na tentativa de amenizar a ansiedade crescente em seu peito. Olivia não se atraía muito facilmente pela ideia de ir para longe de onde se sentia familiarizada. Sabia que encontrar Emma traria algum conforto em meio à estranheza de uma temporada em outro país, ainda assim havia um espaço de aproximadamente onze horas antes de encontrar-se nos braços carinhosos de sua irmã. Incontáveis situações atípicas poderiam acontecer dentro de onze horas, e ela pouco sabia lidar com o inusitado.

Olivia colou um post-it na porta da geladeira que dizia "nos vemos em um mês, não morra de saudades", depois ligou para a companhia de táxi. Levaria dez minutos, disseram. Ela deixou a mala ao lado da porta e perambulou pela sala os primeiros cinco minutos. Verificou uma última vez sua mochila, certificando-se de que tinha nela tudo o que precisava, depois decidiu esperar pelo táxi no térreo.

Andou porta afora, trazendo sua mala consigo. "Eu com certeza estou esquecendo alguma coisa", pensou. "Carregador está na bolsa. Escova de dentes também. Passaporte ok..." listava enquanto trancava a porta. Girou uma. Duas. Testou a maçaneta, num hábito novo de segurança – ou insegurança. "Peguei o presente de Emma?". Mas não teve tempo de concluir que sim, o presente de Emma estava na mala. Também não teve tempo de reagir antes de ter seu corpo completamente imobilizado contra a porta. Fechou os olhos com força, em resposta ao ataque inesperado. O odor acentuado de algo parecido com éter fez sua cabeça doer. De pernas enfraquecidas e coração ameaçadoramente acelerado, Olivia pensou em gritar, mas só pensou. Tentou não inalar. Pouco depois, não tentou mais nada.


 Naquela terça-feira, dia 05 de Abril de 2016, começaram as Primárias no estado de Wisconsin, onde Sanders, do partido dos democratas, e Ted Cruz, dos republicanos, foram apontados como os favoritos. A CIA assumiu ter esquecido explosivos em um ônibus escolar de Virginia, após um treinamento. Um policial abriu fogo em um protesto no sudeste de Bangladesh, pelo menos quatro pessoas morreram. O estado da Carolina do Norte tinha chance de perder bilhões de dólares em financiamento federal para escolas, rodovias e habitações ao assinar uma lei "Anti-LGBT". Cinco pessoas morreram e nove ficaram ferida na explosão de um prédio em um conjunto habitacional no subúrbio do Rio de Janeiro. O primeiro ministro Islandês, Sigmundur David Gunnlaugsson, renunciou ao cargo após ter seu nome citado no "Panama Papers".

Naquela terça-feira, dia 05 de Abril de 2016, Olivia Ann Harding foi atacada na porta de seu apartamento na rua The Cedars, região da Tettenhall Road, Wolverhampton. Teve sua consciência roubada por um pedaço de tecido embebido em clorofórmio.

Não morreu.

Mas talvez preferisse ter morrido. 

Segredos InabitáveisWhere stories live. Discover now