Capítulo dois - Inacreditável

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Olhei para a varanda, onde, sentada no degrau estava Érica, minha irmã de nove anos. Mesmo com a considerável diferença de idade, a gente não se dava muito bem. Ela era uma criança chata, irritante, mimada e pirracenta e, embora minha mãe sempre dissesse que eu era ainda pior naquela idade, sinceramente não conseguia ter muita paciência. No entanto, em uma coisa eu e minha irmã éramos sempre cúmplices: na arte de tentar não ferir os sentimentos da mamãe com opiniões sinceras sobre os hobbies que ela inventava. Embora ela não tivesse talento algum para trabalhos manuais.

— Está uma graça, mãe! — respondi, por fim, optando por uma mentira caridosa.

— Que bom que achou! Anda, me ajuda a colocar no jardim!

Eu a ajudei a carregar o grande vaso até a área gramada do quintal, onde minha mãe pretendia montar o seu novo jardim. O triste era que eu sabia que nem uma mísera flor teria tempo de crescer ali antes que mamãe mudasse de ideia e iniciasse um novo hobby. Era sempre assim.

— E aí, como foi na escola? — Ela enxugou o suor do rosto com as costas das mãos enquanto dava uma bela olhada em seu nada belo arranjo.

— Ah... foi... sei lá. Escuta, mãe... a senhora já fez trabalho voluntário?

Ela tornou a me olhar e seus olhos castanhos brilharam de empolgação.

— Não, mas que ideia linda! Podemos fazer as duas juntas!

E era assim que os novos hobbies surgiam...

— Não, mãe. Digo, eu vou fazer, mas não contigo. É um trabalho de escola.

— Ah, que coisa mais graciosa! Tenho certeza de que vai se sair muito bem nisso, filha. Que tal algo relacionado ao plantio de árvores? — Abriu a boca, assombrada e empolgada com a própria ideia — Já sei! Por que não se filia ao Greenpeace? Imagina só, aquelas missões na Amazônia! Posso ir com você!

— Não... Mãe, presta atenção! Você não vai comigo, e eu não vou a lugar algum. Digo, até vou, mas... Vou tentar achar um local bem mais perto.

— Entendi... — Sem reduzir a animação, mamãe olhou para o relógio de pulso. Vendo que estava atrasada, arrancou o avental que cobria suas roupas e voltou até a varanda, pegando a chave do carro sobre a mesa. — Peguei um horário grande de almoço hoje, mas preciso voltar para a loja. Sabe que aquelas meninas ficam perdidinhas se eu não estiver por perto.

Apesar de sempre ouvir isso, eu duvidava muito que fosse verdade. Minha mãe era dona de uma joalheria no centro da cidade e, mesmo sem precisar, fazia questão de estar na loja todos os dias. Mas ela, muito provavelmente, era mais "perdidinha" do que suas funcionárias.

Ela deu um beijo na testa de Érica, que, sentada no degrau, brincava distraída com algum joguinho em um tablet. Ao passar por mim, deu-me um beijo no rosto e sugeriu:

— Por que você não fala com a Joana? Talvez ela te indique um bom lugar para fazer o seu trabalho. Volto de noite!

Enquanto ela seguia para a garagem, pensei no quanto era bom ter Joana de volta ao comando da cozinha. Há algum tempo, mamãe cismou de se aperfeiçoar em culinária e passou a preparar cada prato horrível! Graças a Deus que, como todas as suas manias, essa passou bem rápido.

Joana era a única funcionária da minha casa e o braço direito da minha mãe, principalmente depois do divórcio. Trabalhava ali desde que eu tinha dois ou três anos e era, praticamente, uma pessoa da família. Porém, já conhecendo-a bem e sabendo que era tão empolgada quanto a minha mãe, optei por não pedir orientação alguma para o meu trabalho. Sendo assim, quando entrei em casa e passei pela cozinha, não toquei no assunto com Joana. Apenas cumprimentei-a, comentei sobre o arranjo bizarro que minha mãe tinha feito, peguei um copo de água e segui para o meu quarto, onde passei o dia estudando. Deixei de lado a odiosa apostila com as regras para o igualmente odioso trabalho em dupla. Deixaria para me preocupar com aquilo no dia seguinte.

Contando EstrelasWhere stories live. Discover now