Deus

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Ayat tremeu de susto e Vomadar a segurou pelos ombros. Já não ouviam mais disparos.

— Ayat, vamos.

Tanya acompanhou com os olhos os dois jovens que se arrastaram, mancando, na direção do penhasco. Cide surgiu de dentro da Turquesa e parou a seu lado.

— Por que você demorou tanto? — Tanya choramingava. — Nadine, caramba, Leon e Nadine...

Ayat e Vomadar chegaram à borda do desfiladeiro, de onde ainda não vislumbravam o lago, somente o início terroso da descida. Com um dos olhos tapado por um hematoma, Vomadar encarou Ayat e ambos sorriram. Ignoraram os demais companheiros e desceram deslizando pela areia úmida.

Ouviram parte da resposta de Cide:

— E como podíamos prever essa máquina? Ainda não consigo entender.

Mais abaixo, os jovens já podiam sentir na pele e nas narinas a umidade do lago, muito embora o odor não agradasse. Não saberiam dizer como cheirava o muiril em excesso, então talvez fosse assim, um tanto repulsivo. Ayat piscou mais forte. Fecharam os sorrisos.

— Como podíamos prever? — Tanya gritava, estridente. — Você ainda não se deu conta de há quanto tempo nós perdemos o controle? Eles também vão morrer agora. Quantos mais vamos perder por causa da sua teimosia?

O lago se estendia à frente, sob a nuvem de poeira que pairava ali, aprisionada pelas fronteiras montanhosas do desfiladeiro. Seu aspecto era cinzento e barroso. Estruturas estranhas e estreitas formavam pilares e pontes grotescas, e dividiam lugar com canos largos e enferrujados, cobertos de limo, que subiam do lago até encostar num edifício baixo, em ruínas, mais adiante.

— Sarhka, Vomadar! — A voz de Cide ecoou pelo desfiladeiro.

— Saiam daí imediatamente. Esses químicos são venenosos, vocês podem morrer.

Feridos e desnorteados, Ayat e Vomadar não lhe deram ouvidos. Seus conselhos não lhes soavam confiáveis. Precisavam de muiril, e prosseguiram.

— Mais dois mortos, Noah. Era só você ter emitido o sinal mais cedo.

Ayat pensou sobre o silêncio dos mortíferos robôs que os havia perseguido a viagem inteira, sobre o suicídio de seu perseguidor incansável. Não pôde mais se calar.

— Cide — gritou, para alcançá-lo no alto, — por que vocês criaram o Basilisco?

O chefe das pesquisas de Jerusalém avançou alguns passos na descida até o lago, cobrindo o nariz com o braço.

— Sarhka, suba aqui, por favor. Suba e eu lhe contarei todos os motivos.

Vomadar balançou a cabeça, agitado, e continuou a descer ainda mais depressa. Ayat, depois de mirar uma vez mais o vulto de Cide escondido atrás da torrente de areia e fumaça, seguiu logo atrás. Já não o podiam escutar.

— E se ela voltasse? Como você explicaria? — desafiou Tanya. — Olha só o que fizemos! Olha para isso!

— Ainda existe humanidade. Se tivéssemos permitido a Resposta...

— E daí se a inteligência superior virasse mesmo um deus? É tão mais provável que ela nos desprezasse, que a humanidade nem lhe interessasse.


Ayat e Vomadar apertaram as mãos. Ayat se lembrou involuntariamente de uma conversa com a psicóloga, na fortaleza.

— Ayat, você não pode controlar o passado. Você não pode mudar o que já aconteceu. E o futuro depende de muitos outros fatores, muitas incertezas. Você só pode controlar seu presente. É esse trabalho que nós vamos desenvolver aqui.

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