Filhos da Lua - Parte 1: Areia

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Vomadar já havia consolidado resultados a noite inteira, deixando parte de seu estudo para os dias seguintes. Faltava um minuto para o acionamento geral dos dormitórios embutidos em cada sala da fortaleza. Preparava-se para se jogar na espuma de dormir quando ouviu passos na escada de acesso a seu quarto. Apreendeu-se. Aguardou baterem na porta, mas não hesitou em abri-la. Depois de acionados, os dormitórios só se abriam por dentro ou após três dias, por segurança. O simples fato de atender a visita lhe custaria noites de bom sono, mas não se importou.

Era Ayat. Suas pálpebras umedeceram sem que ele desse conta. Ela vestia uma túnica branca envolta de lenços, alguns deles amarrando equipamentos leves como cantis e lanternas:

— Pega o mapa e se prepara para o deserto.

— Agora?

— Olha, Pombal, você é a última pessoa que eu queria confiar para essa missão. Mas não tenho tempo para te convencer de que precisamos de mais ajuda. As portas do Ceifador vão abrir hoje daqui a vinte minutos. Se quiser ir, agora é a hora. Mas sob minhas diretrizes. Não pretendo seguir seu mapa cegamente, e não quero ter que discutir depois.

Vomadar vestiu correndo túnica e turbante, adquiridos para participar de algum evento cultural que acabou não visitando, e se muniu de provisões. Antes de partir, manipulou os braços mecânicos para alcançar alguns filhotes de pombo da sacada externa.

— Para que isso? — perguntou Ayat.

Vomadar, mudo, girou os braços mecânicos para alocar os filhotes num receptáculo e então o lançou, preso a um paraquedas, em direção ao solo do deserto.

— Já sei — concluiu Ayat —, se encontramos a salvação, podemos avisar a fortaleza, não é? — Sorriu.

***

Desceram as escadas da torre e atravessaram os corredores silenciosos em direção ao subsolo, murmurando.

— Como você desconfiou do muiril? — perguntou Ayat.

— Nós estávamos fugindo, eu, minha irmã e meus pais, para Jerusalém. Estávamos quase chegando à nave que nos levaria para lá quando fomos atacados. Meus pais e minha irmã já estavam na entrada da nave, mas voltaram para me buscar porque eu tropecei num cadáver. Eu só tinha cinco anos, mas me lembro de algumas cenas, como se fossem fotos. Um assistente de restaurante voou na nossa direção com uma faca e perfurou os três na minha frente. Eu fiquei paralisado, esperando a minha vez. Só que o robô passou por mim como se eu não existisse.

— E você tinha aplicado muiril?

— Exato. Um dia antes, como terceira dose para imunidade ampliada. Ninguém entendeu como as máquinas infectadas conseguiram burlar a proteção contra reconhecimento humano. Só que elas têm reconhecimento de muiril, já que além de reconstituir células ele também é usado para repor energia. Por isso eu descobri: a reprogramação que o Basilisco implantou nos dispositivos foi o de atacar tudo o que demonstra certos padrões de movimento ou de calor e que, necessariamente, não possua muiril!

— Shhh!

Vomadar havia elevado a voz na última sílaba e apressado o passo, mas Ayat o segurou pela boca. Aproximavam-se do saguão de convivência que se formava no espaço em que o corredor encontrava o caminho para o Globo de Pesquisas, e Ayat lembrara que a equipe direta de Cide trabalhava mais obstinadamente que ela, muitas vezes abandonando o sono para cumprir metas. Acertara.

— ... não são da Dissidência, não sabemos como. Mas ela falou "Resposta", usou essa palavra ...

Reconheceu a voz de Leon, ao se esgueirarem um pouco mais perto. Personagem comum nas festas da fortaleza, ele era um tipo corpulento e bonachão.

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