Pescador

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Estavam no beco, escondidos da van do Centro de Zoonoses. Pandora farejava com curiosidade a gata de rua malhada de preto e branco. Galileu olhou para a rua lá na frente, com medo de que, a qualquer momento, a van plotada surgisse.

― Minha amiga. ― Miou Galileu para a gata de rua. ― Ela foi levada por eles. Pelos homens da van.

A gatinha preta e branca mexeu os bigodes consternada.

― Eu sinto muito. Uma vez levado pelo Centro, não há mais como encontrar. ― ela olhou para ele com solidariedade.

Galileu meneou a cabeça, se negando a aceitar.

― Não vou desistir da Luna. Vou seguir a van até o Abrigo e soltar ela. Trazer ela para casa.

Pandora se colocou ao lado dele, oferecendo apoio silencioso. A gata suspirou.

― Você vai acabar sendo capturado se for sozinho.

Galileu ondulou as costas, e respondeu:

― Não estou sozinho. ― ele atravessou por entre as patas de Pandora, e sentou-se na frente dela. ― Tenho a Pandora.

A gata ronronou com diversão, e disse:

― Um cachorro não vai ser de grande ajuda contra a carrocinha.

Pandora sentou-se e empertigou o corpo, com confiança.

― Você subestima os cães, gata. Assim como a maioria dos humanos. ― Disse a labradora e completou ― De qualquer forma, mesmo que fosse impossível, eu iria tentar. A Luna é família, e não se abandona família.

A gata serpenteou a cauda insatisfeita.

― Vocês não sabem o que vão enfrentar. O centro conseguiu capturar animais espertos, que viviam na rua há anos. Vocês nem sequer tem chance.

Galileu se manteve no mesmo lugar, para mostrar que não iria mudar de ideia.

― Está bem. ― Ela cedeu ― Vou ajudar vocês.

A gata suspirou e levantou, indo em direção a saída do beco. Depois de alguns passos, parou, virou e disse:

― Vocês não vêm?

Galileu cruzou olhares com Pandora. Ela levantou-se, e ele a seguiu, se juntando com a gatinha. Os três saíram na rua aberta, apreensivos por causa​ da van do Centro de Zoonoses. Mas não havia nenhuma ali.

A gata correu até o fim da rua e depois diminuiu o ritmo no centro movimentado. Era cedo, mas aquela rua era sempre muito frequentada, mesmo cedo, pelas pessoas em busca de preços baixos.Algumas pessoas paravam com​ a visão de dois gatos e um cachorro andando juntos, mas a maioria ignorava. Uma menininha, de cabelos pretos presos em trancinhas, parou e ofereceu um pedacinho de churrasco no espetinho para Pandora quando sua mãe não estava olhando. Pandora abanou o rabo, animada em fazer novas amizades, mas logo tiveram que continuar. A gatinha de rua ziguezagueava por entre as pernas dos transeuntes com destreza, desviando de pisões desatentos e esbarrões. Galileu a seguia com certa dificuldade, mas ainda conseguia desviar das pernas dos humanos. Já Pandora, devido ao seu tamanho, andava tranquila, com a certeza de que as próprias pessoas desviariam dela.

― Para onde estamos indo? ― perguntou ela para a gata.

― Ver um amigo. Ele pode nos ajudar. ― Respondeu a guia felina, sem parar um segundo.

Andaram por um tempo considerável. Os prédios foram ficando mais encardidos, com os fios de eletricidade entrelaçados na fachada. Galileu percebeu que os letreiros dos comércios eram cada vez mais simples e mal cuidados. O chão de paralelepípedos era esburacado, assim como a calçada. O sol subiu no céu e seu calor esquentava suas cabeças e costas. Galileu se perguntou se parariam de andar alguma hora. Já havia esquecido as ruas por onde haviam passado, e agora não saberia mais voltar sem ajuda. Isso o assustava um pouco, mas era melhor continuar seguindo a gatinha.

Gato PretoOnde histórias criam vida. Descubra agora