Miando para a Lua

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Galileu se esticou no sofá. Adorava cochilar ali. Nas tardes quentes ele podia passar horas dormindo, mas naquele dia ele iria apenas cochilar um pouco. Luna, a gata siamesa do vizinho, havia lhe chamado para passear pelos telhados, e ele não podia se atrasar.

Luna era uma gata de raça, de gosto refinado e exigente. Já Galileu era apenas um gato preto vira-lata, que por acaso havia encontrado um lar. De nada adiantava ter esperanças. Mas não tinha jeito. O coração dele batia forte quando via suas manchinhas cor de caramelo e sua coleira de lacinho com pingente de peixinho. Galileu ronronou apaixonado.

Era hora de levantar. Desceu do sofá e seguiu para a cozinha com o rabo erguido. Dividia a casa com duas humanas que o alimentavam. Elas passavam o dia fora, mas ele não se importava. Havia sempre água fresca e uma janela aberta para que ele pudesse sair e passear, e quando elas chegavam, não lhe faltava carinho. Era uma vida confortável para um gato que havia nascido na rua. Com fome, Galileu checou a tigela de ração. Estava vazia. Ele sentou-se indignado e miou. Nada. Miou de novo, dessa vez mais alto. E de novo. E mais um par de vezes, até que uma de suas humanas apareceu. Galileu enroscou-se em seu pé, persuadindo ela a lhe dar comida. Sua humana soltou uma risadinha, o que era bom sinal, e foi até o armário, o que era um ótimo sinal. Ela pegou o pote onde ficava a ração e serviu um copinho para ele. Finalmente alimentado!

Galileu comeu com rapidez alguns bocados da ração, e deixou um restinho na tigela. Agora sim estava pronto!

Trotou ansioso até o quarto de suas humanas, saltou na cama e de lá até janela. Desceu do outro lado, na área da frente da casa, e seguiu até a churrasqueira, onde escalou até alcançar o topo do muro. Sentou-se ali um segundo, observando o bairro simpático onde vivia agora. Era muito diferente das ruas hostis onde havia crescido.

Galileu ouviu passos, e da esquina surgiu um homem. Estava usando casaco de uniforme e calça jeans, levava uma caixa grande de papelão nos braços. Era uma caixa cheia de furos com os mesmos símbolos de seu uniforme. Ele atravessou a rua com o passo acelerado, sem sequer notar o gato preto no muro, e guardou a caixa nos fundos de uma van plotada com a foto de um cachorro e um gato, antes de sentar na parte do motorista e dirigir para longe. Galileu observou ele por um tempo, até perder o interesse. Estranhos eram uma preocupação para os cachorros, bichos paranóicos. Os gatos não tinham tempo para ficar investigando cada pessoa que passava na rua.

Ele seguiu pelo muro até o ponto em que ele se juntava ao muro da casa vizinha. A casa de Luna. Era consideravelmente maior que a casa dele, com quintal de grama e tudo. E não era só isso. Ela tinha brinquedos melhores, e ração úmida de lata (às vezes ela até dividia um pouco com ele), além de usar acessórios, como lacinhos e coleiras diferentes. Ela era uma princesa.

― Luna! ― Miou Galileu do muro.

Ele havia chegado atrasado. Esperava que ela não estivesse chateada.

Um latido alto o assustou, e fez o pelo de suas costas se eriçarem. Era apenas Pandora, a mestiça de labrador que morava na mesma casa que Luna.

― O que está fazendo aqui, Galileu? ― Latiu ela com impaciência. ― Vá miar em outro muro.

Galileu a olhou, confiante.

― Estou esperando a Luna. Vamos ver a lua hoje.

Pandora fungou achando graça.

― Só você mesmo para aguentar aquela gata chata.

Pandora havia sido criada com as mesmas regalias que Luna, mas era completamente diferente.

Como a maioria dos cães, não possuía delicadeza nem elegância. Vivia correndo para lá e para cá, cavando, latindo e fazendo mais um par de coisas inúteis.

― De qualquer forma, ― continuou Pandora. ― Ela já saiu.

Galileu sentiu seu coração se apertar. Sabia que devia ter chegado mais cedo. Ela devia estar chateada por ele ter se atrasado.

― Onde ela foi? ― perguntou ele.

Pandora fungou, indiferente.

― Não sei. Por acaso tenho cara de babá de gato?

Galileu sibilou, irritado. Pandora fungou mais uma vez e revirou os olhos.

― Olha, ― Latiu ela sem paciência. ― porque não procura no gramado? Ela gosta de fingir que sabe caçar.

Galileu miou um agradecimento e desceu do muro em um lado mais baixo. Estar no nível do chão o incomodava. Era um predador, e as ruas eram abertas demais. Ele sentia-se vulnerável e exposto nas calçadas. Mas era preciso atravessar um par de ruas até chegar no gramado, do outro lado do quarteirão. Os humanos usavam o gramado para fazer esportes, mas não era com frequência, por isso os gatos do bairro lhe davam um propósito mais nobre. Caçar.

A grama era baixa, mas abrigava muitos gafanhotos. E o canteiro que haviam plantado ao redor, atraía muitas libélulas e mariposas. Tinha ainda a vantagem do fundo do campo dar para uma mata pequena, onde havia muitas outras presas. Mas hoje Galileu não estava atrás de caça.

Ao chegar no gramado, Galileu deu de cara com Milo, um gato gordo e rajado da rua de trás.

― Olá, Milo. ― Miou Galileu. ― Como anda a vida?

― Galileu! Olá! Anda muito boa. Olha só a mariposa que peguei! ― Miou Milo, enquanto mostrava empolgado uma mariposa do tamanho de sua cabeça presa entre suas patas macias.

Galileu ronronou divertido.

― Uau. Ela é realmente gigante.

― Achei no canteiro. Essa hora é perfeita para pegar elas. ― Disse Milo.

Galileu olhou para o céu e percebeu que o sol estava começando a se pôr.

― Milo, ― Disse ele voltando sua atenção para o gato que brincava com a sua presa. ― Viu a Luna. Estou procurando ela.

Milo parou um segundo, e abanou a cauda pensativo.

― Ela estava aqui caçando quando cheguei. Mas saiu sem pegar nada. ― Miou ele em resposta. ― Acho que ela tinha dito que ia voltar para casa. Foi mesmo pouco antes de você chegar.

Galileu sentou-se preocupado. Não havia encontrado com ela no caminho de volta. Ela podia ter passado por uma rua diferente.

― Obrigado, Milo! ― Agradeceu Galileu. ― Boa caçada para você.

―Ah, muito obrigado, Galileu. Quando vir a Luna mande um miado meu.

Galileu concordou e foi até a rua lateral que também levava para a casa de Luna. Era uma rua mais nova. Algumas casas haviam sido construídas depois de Galileu chegar no bairro. Ainda havia alguns terrenos vazios entre os construídos. Galileu seguiu pela calçada, próximo ao muro. Quando aproximou-se de um dos terrenos não construídos, sentiu um cheiro interessante. Trotou com rapidez, seguindo seu faro até o local de onde vinha aquele cheiro delicioso. No canto do terreno havia sido derramado um conteúdo de uma lata de comida úmida para gatos, daquelas caras. Mato havia sido arrancado ao redor, talvez para esconder alguma coisa.

Aquilo não parecia certo. Quem derramaria uma comida tão preciosa em um terreno vazio? Foi então que ele viu algo cintilar entre o mato. Ele aproximou-se cauteloso. Era uma coleira rosa com lacinho e um pingente metálico em forma de peixe.


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